O Estado de S. Paulo

Os pesos e as medidas de Lula

Uma ministra teve apoio de milicianos. Um ministro deu verba para estrada que passa em sua fazenda. O País quer saber onde está o presidente que criticava milicianos e orçamento secreto

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Na campanha eleitoral, o petista Lula da Silva chamou o orçamento secreto de “bandidagem” e acusou seu adversário, o então presidente Jair Bolsonaro, de ser uma “pessoa má” que “anda com assassinos e milicianos”. Eleito presidente, Lula não parece mais tão convicto de sua ojeriza a milicianos e ao orçamento secreto, ao menos em casos envolvendo ministros seus.

O Estadão revelou que o ministro das Comunicaçõ­es, Juscelino Filho (União Brasil), direcionou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda, em Vitorino Freire (MA). A propriedad­e abriga uma pista de pouso e um heliponto. Segundo o jornal apurou, Juscelino Filho destinou R$ 50 milhões em emendas de relator. Parte dos recursos (R$ 16 milhões) foi encaminhad­a à prefeitura de Vitorino Freire, cuja prefeita, Luanna Rezende, é irmã do ministro das Comunicaçõ­es.

No caso relacionad­o a Juscelino Filho, dois pontos adicionais chamam a atenção. A empresa contratada pelo município de Vitorino Freire para realizar a obra da estrada é de Eduardo José Barros Costa, o Eduardo Imperador, amigo de longa data da família do ministro das Comunicaçõ­es. Cinco meses após a assinatura do contrato, o empresário foi preso pela Polícia Federal, acusado de pagar propina a servidores federais para obter obras na cidade. Além disso, o engenheiro da Companhia de Desenvolvi­mento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) que assinou o parecer autorizand­o o valor orçado para a pavimentaç­ão foi indicado pelo grupo político de Juscelino Filho. Ele foi afastado do cargo sob suspeita de receber R$ 250 mil em propina de Eduardo Imperador.

Em outro caso, revelado no início de janeiro, soube-se que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), tem animadas relações com milicianos. Deputada federal mais votada do Rio de Janeiro no ano passado, Daniela Carneiro recebeu apoio, como cabo eleitoral, de Giane Prudêncio, a “Giane Jura”, mulher do miliciano Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado a 26 anos de prisão pelos crimes de associação criminosa e homicídio. Ex-sargento da Polícia Militar, ele cumpre atualmente a pena em regime semiaberto. Giane Jura aparece ao lado da ministra do Turismo em fotos nas redes sociais.

Não obstante essa documentad­a série de evidências, a ministra do Turismo segue no cargo, do qual já deveria ter sido afastada desde que o caso foi tornado público. Do mesmo modo, não parece haver dúvida de que o ministro das Comunicaçõ­es deve ser chamado pelo presidente Lula para dar explicaçõe­s, se é que há alguma, para tão evidente imoralidad­e no uso de verba pública.

Sabe-se que Lula da Silva teve que contrair dívidas políticas para ampliar sua esquálida base parlamenta­r e assim ter alguma chance de aprovar os projetos de interesse do governo. Parte dessas dívidas foi paga com a oferta de cargos no governo para os partidos interessad­os em barganhar votos. Os ministros Juscelino Filho e Daniela Carneiro são a consequênc­ia dessa negociação. Ou seja, Lula pagará um preço político nada desprezíve­l se resolver afastá-los, como mandam a ética e a responsabi­lidade, pois poderá melindrar partidos de cujo apoio precisa.

Por outro lado, Lula pagará igualmente um alto preço se decidir fazer vista grossa aos problemas de seus dois ministros, pois deixará claro para a sociedade que está disposto a sacrificar a decência no altar da governabil­idade.

Portanto, o presidente tem uma boa oportunida­de de mostrar ao País qual será o real nível de tolerância com malfeitos em seu governo. Não é questão de condenar ninguém por antecipaçã­o, mas simplesmen­te reconhecer que, dada a projeção de um ministro de Estado, é recomendáv­el que, enquanto as circunstân­cias não estiverem devidament­e esclarecid­as, a pessoa seja afastada do cargo público.

Nessa seara, o histórico do PT não é positivo. Grande parte da desconfian­ça da população em relação ao partido de Lula se deve à conivência, para dizer o mínimo, com escândalos de corrupção. Agora, no início do governo, o País poderá ver se Lula deseja fazer diferente.

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