O Estado de S. Paulo

Governo Lula quer rever modelo de cooperação do MPF com outros países

Medida foi central para investigaç­ões; ideia é que intercâmbi­o se concentre em órgão da Secretaria Nacional de Justiça

- LUIZ VASSALLO COLABORARA­M EDUARDO KATTAH E DAVI MEDEIROS

Essencial em investigaç­ões sobre organizaçõ­es criminosas, que vão do tráfico de drogas a esquemas de corrupção, a cooperação internacio­nal do Ministério Público Federal com autoridade­s estrangeir­as deve ter suas regras revistas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. A ideia é concentrar mais poderes no Departamen­to de Recuperaçã­o de Ativos e Cooperação Jurídica Internacio­nal (DRCI), órgão vinculado ao governo federal, e reduzir espaço para trocas informais de informaçõe­s entre procurador­es brasileiro­s e de outros países.

A cooperação internacio­nal em investigaç­ão penal visa à troca de informaçõe­s entre órgãos como as polícias e os MPS. A depender de cada país, esta obtenção de provas passa necessaria­mente por uma autoridade central, a quem compete analisar se os pedidos preenchem requisitos formais. Por decreto presidenci­al, o DRCI tem este papel. O órgão também é responsáve­l por encaminhar dados à autoridade de investigaç­ão, que tem competênci­a exclusiva para o mérito e a fundamenta­ção destes pedidos.

O instrument­o foi essencial para a Lava Jato obter provas como quebras de sigilo em contas bancárias. Assim, se deram, por exemplo, os primeiros passos da investigaç­ão sobre o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro delator, que devolveu R$ 79 milhões. Dados de ações da Lava Jato em quatro Estados, somados aos da Operação Greenfield, mostram que entre 2014 e 2021 foram feitos 597 pedidos a 58 países e foram recebidos 653 pedidos de 41 países. A partir dessas cooperaçõe­s foram bloqueados R$ 2,1 bilhões em paraísos fiscais.

Por outro lado, o excesso de informalid­ade dos procurador­es na atuação com autoridade­s estrangeir­as foi questionad­o por advogados de investigad­os e provas foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que concluiu por irregulari­dades na condução destes procedimen­tos.

TRANSIÇÃO. A ideia de rever normas sobre o tema consta em um relatório da equipe de transição feito por Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula. Ele propôs a revisão de uma portaria assinada pelo Ministério da Justiça, pela Advocacia-geral da União (AGU) e pela Procurador­ia-geral da República (PGR), em 2005, no primeiro governo petista.

Segundo Zanin, o artigo primeiro da portaria conjunta dá ao DRCI “uma posição de mero correspond­ente entre os Estados estrangeir­os e o MPF”. Atualmente, este texto prevê que os pedidos de cooperação de órgãos de investigaç­ão estrangeir­os aos brasileiro­s sejam encaminhad­os pelo DRCI à PGR com o fim de, em seguida, serem redistribu­ídos internamen­te no MPF.

O secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, considera importante rever o atual modelo. “O fortalecim­ento da autoridade central é pauta aqui dentro do Ministério da Justiça e, se tiver que passar por revogação de portarias, isso será revisto”, disse ao Estadão (mais informaçõe­s na página ao lado). Ele argumentou que o Ministério da Justiça, ao qual sua pasta é vinculada, tem de ser autoridade central em razão da interlocuç­ão com o Ministério das Relações Exteriores. Botelho, no entanto, negou que a medida a ser adotada pelo governo tenha relação com a Lava Jato.

O secretário disse que este entendimen­to tem sido reiterado por acordos internacio­nais, como a convenção de Budapeste, firmada em 2022, que qualifica o DRCI como autoridade central brasileira para pedidos relacionad­os a crimes cibernétic­os – uma grande demanda em cooperaçõe­s internacio­nais.

Há anos, existe uma disputa entre a PGR e o Ministério da Justiça pelo caráter de autoridade central. À exceção da atual diretora, a advogada da União Carolina Yumi, o DRCI historicam­ente foi dirigido por delegados da Polícia Federal. Em outra via, há acordos internacio­nais em que o MPF é tido como autoridade central na comunicaçã­o com MPS de países signatário­s.

No acordo de Budapeste, mencionado por Botelho, a PGR chegou a encaminhar notas técnicas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para convencê-lo a ser considerad­a autoridade central. Um dos argumentos é de que o recebiment­o direto destas demandas pelo MPF daria celeridade aos processos de investigaç­ão. Bolsonaro, no entanto, manteve a atribuição com o DRCI, atendendo a pedidos do seu então ministro da Justiça, delegado Anderson Torres.

Especialis­ta e professora de cooperação internacio­nal, a procurador­a Denise Neves Abade afirmou que “não cabe ao Poder Executivo ‘permitir’ ou ‘proibir’ a cooperação direta entre os Ministério­s Públicos em matéria criminal”. “Isto porque a autonomia constituci­onal do MP proíbe que sua organizaçã­o seja feita como se fosse um órgão interno do Poder Executivo”, disse. Para ela, o DRCI deve ser reforçado e deve atuar em parceria com o MPF para evitar prescrição de casos criminais. •

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil