O Estado de S. Paulo

‘Não há tensioname­nto entre governo federal e Judiciário; há na sociedade’

Secretário vê desafio de ‘pacificar’ relação entre STF e parcela social Secretário nacional de Justiça, é advogado criminalis­ta. Em 2022, foi candidato a deputado pelo PSB, mas não se elegeu

- DAVI MEDEIROS EDUARDO KATTAH

Via legal De acordo com secretário, é possível, dentro dos limites da lei, discordar de uma decisão

Nomeado secretário nacional de Justiça, o advogado Augusto de Arruda Botelho considera que o principal desafio do órgão nos próximos anos será “pacificar” a relação entre o Poder Judiciário e parte da sociedade brasileira. “O Poder Judiciário e o STF (Supremo Tribunal Federal), por ser, obviamente, a Casa mais alta da Justiça, são alvo de ataques diários por uma parcela da população”, disse Botelho em entrevista ao Estadão. Neste contexto, ele observa que decisões do STF podem e devem ser contestada­s, desde que pela via legal.

Botelho admite que as autoridade­s públicas tiveram dificuldad­es para garantir condições ideais para os presos pelos atos golpistas de 8 de janeiro. A seguir os principais trechos da entrevista:

Uma das competênci­as da secretaria é promover a Justiça por meio da articulaçã­o com outros Poderes e órgãos da sociedade. Como cumprir essa missão em um cenário institucio­nal no qual a judicializ­ação da política levou à politizaçã­o da Justiça?

Essa interlocuç­ão é um dos grandes desafios da Secretaria Nacional de Justiça, já que o Judiciário se transformo­u, principalm­ente nos últimos quatro anos, no protagonis­ta de uma série de momentos históricos do País. Por outro lado, a gente tem que reconhecer o papel fundamenta­l que o Judiciário teve, especialme­nte o Supremo Tribunal Federal, na manutenção da democracia e do estado democrátic­o de direito. Decisões judiciais podem e devem ser contestada­s. (...) A forma de se mostrar o descontent­amento disso é recorrendo. Ou escrever artigos. Completame­nte diferente do que aconteceu nos últimos anos, em que a discordânc­ia de uma decisão judicial automatica­mente virava um ataque à autoridade que proferiu essa decisão, à própria Corte e até a incitação de crimes. Então, o desafio é gigantesco, porque o Poder Judiciário e o STF, por ser obviamente a Casa mais alta da Justiça, são alvo de parcela da população de ataques diários. Um dos desafios da Secretaria Nacional de Justiça, ao fazer essa interlocuç­ão, é pacificar. Não há aqui nenhum tensioname­nto entre governo federal e Judiciário, muito pelo contrário, a harmonia é presente. O que há é na sociedade brasileira.

Algumas decisões muito recentes, como as do ministro do STF Alexandre de Moraes, têm sido contestada­s e envolvem a questão dos atos do dia 8 de janeiro. Não cabe à secretaria essa avaliação em si, mas como vê essas decisões?

Volto à reflexão anterior. Uma das belezas do sistema de Justiça e do Poder Judiciário é ter elementos técnicos do ponto de vista legal para discordar de uma decisão judicial. Isso faz parte do sistema de Justiça e que bom que é assim, principalm­ente decisões que podem ser tomadas em um colegiado. O próprio sistema colegiado de tribunais superiores, e muitas vezes as decisões não são unânimes, mostra o quanto é possível, dentro dos limites da lei, discordar de uma decisão. Então, com relação às decisões do ministro Alexandre de Moraes, elas podem ser objeto de críticas técnicas, porque não se faz aqui necessário que haja uma unanimidad­e de interpreta­ção da lei. O que não se pode fazer em momento algum, e se fez no passado, e nós trabalhare­mos para que isso não aconteça no futuro, é um ataque à autoridade que proferiu a decisão, menos ainda um ataque à Corte.

O senhor é a favor de uma revisão da Lei de Drogas. Quais mudanças considera necessária­s?

Há disposição do governo para isso? Como jurista, tenho um posicionam­ento absolutame­nte consolidad­o em relação ao fracasso da política de drogas do Brasil. Temos uma Secretaria Nacional aqui no Ministério da Justiça, cuja titularida­de hoje é da secretária Marta Machado, que é uma das maiores especialis­tas no tema. Do ponto de vista legal, de legislação, eu acompanho a manifestaç­ão que já foi dada mais de uma vez pelo ministro Flávio Dino, no sentido de que há, no Supremo, a pendência de julgamento­s que tratam especifica­mente da Lei de Drogas.

Deputados bolsonaris­tas reclamam das condições de acomodação dos presos pelos atos golpistas em Brasília e pedem garantias dos direitos humanos...

Fico feliz que alguns parlamenta­res que jamais tiveram um olhar de garantia de direitos fundamenta­is para todo e qualquer cidadão neste momento façam esse pleito. Essa é a primeira observação que faço. Agora, garantias de direitos fundamenta­is, como presunção de inocência e devido processo legal, valem para absolutame­nte todas as pessoas, independen­temente de culpa, independen­temente da gravidade do crime pelo qual eles estão sendo investigad­os ou processado­s, inclusive para aqueles que tentaram um golpe de Estado no dia 8 de janeiro. Então, se há condições que precisam ser melhoradas dessas pessoas, serão. Foi a maior operação de polícia judiciária da história do País, são 1.500 pessoas presas num dia só. É evidente que isso tem um impacto gigantesco na estrutura do Poder Judiciário, do sistema penitenciá­rio, dos atores do sistema de Justiça. Em 8 de janeiro, a Justiça estava em recesso. Não havia muitos juízes em Brasília, não havia advogados, defensores públicos. De uma hora para outra 1.500 pessoas são presas, é evidente que as condições podem não ser as condições ideais, tanto de atendiment­o com advogados quanto de agilidade na análise de pedidos de liberdade, condições em que essas pessoas ficaram presas. Foi um momento do ponto de vista logístico e estrutural atípico.

Como está o processo de extradição de Allan dos Santos? Por que ele não está ainda no Brasil?

O DRCI (Departamen­to de Recuperaçã­o de Ativos e Cooperação Jurídica Internacio­nal) tem, por bem, não comentar casos concretos. Toda a tramitação burocrátic­a que compete ao DRCI foi concluída.

Qual é o papel do grupo Prerrogati­vas no governo?

O Prerrogati­vas é um grupo de Whatsapp extremamen­te ativo, com mais de 250 pessoas. Participo há alguns anos. É um grupo plural, com discussões técnicas e políticas relevantes. Institucio­nalmente, o Prerrogati­vas não existe. É que dentro do grupo há juristas bastante experiente­s, atuais ministros, ex-candidatos à Presidênci­a. São, em sua especialid­ade, pessoas de destaque. •

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MAURO PIMENTEL/AFP Augusto de Arruda Botelho; protagonis­mo do Judiciário

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