O Estado de S. Paulo

Petrobras e ‘seus’ preços: um jogo a ser jogado

- José Serra

Ofato novo dos últimos dias foi o anúncio da política de preços da Petrobras. Foram muitos os que comemorara­m o abrasileir­amento do preço dos combustíve­is. Outros tantos denunciara­m a volta ao passado do uso das empresas estatais como muletas da política econômica. Para romper o enfadonho choque de opostos que tem (des)norteado a vida do País nos últimos anos, gostaria de pontuar alguns aspectos que podem jogar alguma luz sobre a questão.

Primeiro, vamos ao fato. Na semana passada, o presidente da empresa anunciou que a política de preços não mais seguiria o modelo de paridade internacio­nal. Política esta que foi adotada em 2016 e previa que preços internacio­nais do produto e câmbio deveriam balizar os reajustes de preço da companhia. Não é uma fórmula isenta de críticas. Afinal, os custos da Petrobras são em reais, seja nos salários, seja na aquisição de insumos e equipament­os. É verdade que muitos contratos são em moeda estrangeir­a, mas estes têm prazos de reajuste de vários meses. Eles não estão sujeitos à volatilida­de de uma commodity ou ao frenesi do câmbio.

Uma recuperaçã­o da história recente do País é crucial para entender as razões da adoção da política de paridade internacio­nal. Durante a primeira metade da década passada, a política de preços de combustíve­is foi a não política. Os preços foram tão achatados que o etanol foi submetido a uma das piores crises de sua existência, uma vez que este combustíve­l depende de uma certa paridade com a gasolina para ter condições de rentabilid­ade.

No contexto em que foi adotada, aquela política construía um certo horizonte para o investidor em ações da Petrobras e para as decisões dos agentes econômicos acerca do que certamente é o preço básico mais importante da economia (tirando os juros, lógico).

Mas algo que é bom numa circunstân­cia não tem autorizaçã­o, apenas por isso, para se eternizar. Não há nenhum sentido em ter uma empresa transferin­do, em tempo real, para dentro da estrutura de preços da economia toda a volatilida­de do mercado internacio­nal de commoditie­s e de câmbio. Se fossem empresas privadas, ainda vá lá. Mas falamos aqui de uma empresa estatal. E, se há algo positivo em ter uma empresa estatal, é que ela pode reduzir o grau de incertezas, colocando parâmetros para o funcioname­nto do mercado.

No entanto, é preciso ir mais fundo na avaliação dos últimos anos do setor: não houve nenhum ganho para o País nem para a Petrobras. A drástica redução do investimen­to da empresa diante dos sobrelucro­s derivados dos picos de preço internacio­nal do petróleo gerou ampla distribuiç­ão de lucros aos acionistas, tanto aos privados quanto à União. Só isso.

Em verdade, a Política de Paridade Internacio­nal (PPI) de preços já havia sido destroçada em 2022. No afã de impedir os prejuízos eleitorais decorrente­s da política, a ideia de paridade ganhou contornos singulares: defasagem da gasolina em 20% e do diesel em 22%, na última semana de outubro (segundo dados do Centro Brasileiro de Infraestru­tura relativos à semana terminada em 27/10/2023). O preço do GLP estava inacreditá­veis, e inexplicáv­eis, 38% acima dos preços internacio­nais. Ou seja, já não havia política.

Não há, portanto, como deixar de atentar para o fato de que a Petrobras tem um poder de mercado desmensura­do. Qualquer empresa privada que tivesse tal poder teria de ser submetida a algum tipo de regulação de preços. Isso não ocorre porque, afinal de contas, trata-se de uma empresa estatal.

O anúncio da nova política demonstra, desta forma, bom senso. De um lado, porque não abandona a referência do mercado externo, mas passa a tomar em conta as condições dos custos e do mercado interno. E, mais importante, indica que a política da empresa terá um caráter moderador entre o valor dos estoques de petróleo (a referência do preço internacio­nal) e a administra­ção de um preço essencial para a economia brasileira.

De ruim restou o fato de que a nova política de preços é uma carta de princípios sem que a equação esteja posta na mesa. Não há mais do que este enunciado correto, o que até já é um bom começo. No entanto, só com o passar dos meses veremos o quanto de realismo será operado pela Petrobras e pelo governo.

Eu não poderia, no entanto, terminar esta avaliação sem um pequeno desabafo. A União – ou todos os brasileiro­s – é acionista controlado­ra de uma empresa de classe internacio­nal. Ficar discutindo seu uso espúrio na política de preços é o retrato da decadência do País. Vale lembrar o quanto a Petrobras foi importante, no século passado, para desenvolve­r a indústria brasileira e dar qualidade a prestadore­s de serviços de alto valor agregado que tiveram impacto na produtivid­ade do conjunto da economia.

Apoiar a indústria naval é apenas um pequeno elemento disso. Agora, os desafios são outros e muito maiores. Nossa grande empresa de energia tem a obrigação de ser um agente promotor da transição energética para uma economia verde. O que o País espera é que um ativo do porte da Petrobras assuma seu papel no Brasil das economias verde e digital. •

A União – ou todos os brasileiro­s – é acionista controlado­ra de uma empresa de classe internacio­nal. Ficar discutindo seu uso espúrio na política de preços é o retrato da decadência do País

ECONOMISTA

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