O Estado de S. Paulo

Voto no arcabouço teve base rebelde e oposição fiel

Projeto foi aprovado com folga, mas Rede e PSOL ficaram contra; placar expõe dificuldad­e do governo na relação com o Parlamento

- NATÁLIA SANTOS VERA ROSA

A votação da nova regra de controle das contas públicas, na noite de terça-feira, revela a realidade de um governo com dificuldad­es de se entender no Congresso. O texto-base do relatório apresentad­o pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA) foi aprovado com folga na Câmara dos Deputados (372 votos favoráveis, 108 contrários e uma abstenção), mas parte da base aliada foi contrária ao projeto.

Os parlamenta­res da federação PSOL/Rede, parte da bancada situacioni­sta, votaram em bloco contra o arcabouço fiscal. No PL, principal partido da oposição, 31 dos 99 deputados foram favoráveis ao projeto. Por ser um projeto de lei complement­ar, o arcabouço precisava de 257 votos favoráveis (maioria absoluta) para ser aprovado.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou o resultado. “O placar foi expressivo”, disse. “A Câmara dos deputados deu uma demonstraç­ão de que busca um entendimen­to para ajudar o Brasil a recuperar as taxas de cresciment­o mais expressiva­s. Isso também nos dá muita confiança de que a reforma tributária é a próxima tarefa a cumprir.” Segundo ele, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) deixou muito claro que pretende votar a tributária na Câmara no primeiro semestre, portanto antes do recesso.”

Como mostrou o Estadão, aliados do presidente Luiz Inácio

Lula da Silva (PT) no Congresso trabalham para usar a votação do arcabouço como uma amostra de que o governo é capaz de aprovar ainda neste ano a reforma tributária – que precisa de pelo menos 308 votos favoráveis em dois turnos de votação. A ideia é reverter a imagem de base fraca deixada pela derrota na Câmara com os decretos do saneamento.

Mesmo assim, o próprio PT, apesar de votar a favor, rachou.

Dos 68 deputados petistas (que compõem uma federação com PC do B e PV, somando 81 parlamenta­res), praticamen­te um terço da bancada do PT alegou ter votado a favor apenas por “lealdade ao presidente Lula”. Os divergente­s – 22 parlamenta­res do PT mais Orlando Silva (PC do B-SP), relator do projeto de lei das Fake News – apresentar­am uma declaração de voto em separado explicitan­do seu ponto de vista. O documento diz que o relatório de Cajado “agravou sobremanei­ra as normas de contração dos gastos públicos, limitando fortemente a capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de desenvolvi­mento”. O texto foi a forma encontrada por petistas relevantes na estrutura da sigla, como o presidente da Comissão de Constituiç­ão e Justiça, Rui Falcão (SP), para explicitar suas restrições ao projeto depois que o presidente Lula enquadrou seu partido e avisou que não admitiria dissidênci­as na votação.

Os signatário­s da declaração afirmam, ainda, que, embora fiquem fora das regras de contingenc­iamento, o salário mínimo e o Bolsa Família “podem sofrer limitações nos anos seguintes a um exercício no qual o resultado fiscal fique abaixo da banda”.

A federação PSOL/Rede orientou seus integrante­s a votar contra a proposta. Com isso, os 13 deputados do PSOL e Túlio Gadêlha, único membro da Rede na Câmara, rejeitaram o texto. Ambos têm ministério­s no governo – Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança Climática) é da Rede, e Sonia Guajajara (Povos Originário­s) faz parte dos quadros do PSOL. Para o PSOL, o arcabouço fiscal pode prejudicar os investimen­tos na áreas de saúde e educação. “O Brasil precisa de investimen­to em áreas sociais, rejeitando a lógica neoliberal. Não aceitamos punir saúde, educação e o serviço público em nome de um ajuste fiscal”, disse Sâmia Bomfim (PSOL-SP). A sigla também havia votado contra o pedido de urgência na tramitação da proposta, na semana passada.

No PL, um em cada três parlamenta­res votou a favor do projeto que substitui o teto de gastos atualmente vigente para o governo federal. O resultado gerou reações de perfis bolsonaris­tas nas redes sociais.l

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