O Estado de S. Paulo

Os bons companheir­os

No momento, o esforço de Lula para socorrer Fernández vale menos que a nota de 2 mil pesos

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As novas notas de 2 mil pesos, em circulação na Argentina desde a última segunda-feira, evidenciam o desmonte da economia de um país com reservas internacio­nais escassas, inflação anual acima de 100% e déficit público de US$ 453 bilhões. Cada cédula impressa vale pouco mais de US$ 4 no “dólar blue”, a cotação do mercado paralelo que tem servido como boia de salvação para os argentinos desesperad­os em manter o valor de compra de seus ganhos. O cenário de calamidade econômica e social no país vizinho é temerário para o Brasil nestes tempos em que o presidente Lula da Silva não dispõe de recursos para socorrer seu principal sócio e grande aliado ideológico no Mercosul.

O quadro do país vizinho se agrava diante da eleição presidenci­al marcada para 22 de outubro – na qual o candidato de extrema direita Javier Milei escala nas pesquisas evocando ideias radicais, como a dolarizaçã­o – e da baixíssima credibilid­ade do governo do peronista Alberto Fernández para tomar novos créditos ou mesmo ter acesso a antecipaçõ­es de recursos do FMI.

O risco de resultado eleitoral desfavoráv­el ao peronismo está estampado na hiperinfla­ção de pré-candidatos à Casa Rosada a apenas 49 dias das primárias de agosto. Há seis nomes na disputa. A oposição de centro-direita parece mais coesa em torno do prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta. Mas é Milei, do Espacio Libertário, quem está no topo de recente pesquisa de intenções de voto, com 29%. Uma eventual vitória da direita radical na Argentina certamente causará tumulto na relação com o Brasil de Lula e animará a direita brasileira, o que explica a aflição do petista.

A crise econômica da Argentina, bem mais que seu rumo político, tem impacto imediato. Em Hiroshima, no último dia 20, Lula pediu à diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, “tempo e compreensã­o” com os argentinos. Verbalizou, assim, o pedido desesperad­o que Fernández lhe fizera no início do mês, em Brasília. O argentino recebeu também a promessa de criação de uma linha de financiame­nto para as exportaçõe­s de manufatura­s brasileira­s a seu país – o que evitaria aumento de preços de produtos finais e paralisia de plantas dependente­s de insumos.

Do lado de cá, trata-se de um meio de garantir às empresas nacionais o retorno financeiro por seus embarques. Mas chama a atenção o fato de, em vez de valer-se do BNDES, Lula ter optado por pedir ao banco dos Brics, presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff, um aporte de recursos como garantia para essa linha de crédito. Para isso, decidiu despachar a Xangai o seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no momento em que se negocia o sensível tema do novo arcabouço fiscal. A ideia, parece óbvio, é poupar o Tesouro Nacional e os fundos governamen­tais que alimentam o BNDES de cobrir potenciais calotes de importador­es argentinos.

No entanto, o estatuto do banco dos Brics não permite essa operação. Ou seja, mesmo que queira, a companheir­a Dilma terá dificuldad­e para ajudar o companheir­o Fernández. Isso significa que os esforços de Lula para socorrer a Argentina, por ora, valem tanto quanto a nota de 2 mil pesos. •

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