O Estado de S. Paulo

‘Levante’ coloca nas telas a questão do aborto no Brasil

Filme da brasileira Lillah Halla, exibido em uma das mostras paralelas do festival, conta a história de uma jogadora de vôlei

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Em seu primeiro longa-metragem, Levante, apresentad­o na noite de terça-feira, 23, em uma das mostras paralelas do Festival de Cannes, a diretora brasileira Lillah Halla decidiu enfrentar a espinhosa questão do aborto no Brasil e a opção de muitas jovens em realizá-lo no Uruguai.

Na história, Sofia, uma adolescent­e brasileira com talento para o vôlei, fica grávida. Seus planos de seguir carreira no exterior são ameaçados e ela decide fazer um aborto e, para isso, deve viajar ao Uruguai, país onde o procedimen­to é legal desde 2012.

Sofia joga em um time de vôlei ao lado de outras jovens e transexuai­s, sua verdadeira família, além do pai, que também apoia sua decisão de interrompe­r a gravidez.

“O que o treinador (do time) criou lá é um espaço seguro que, de alguma forma, é um reflexo do filme também. E assim como a equipe de Sofia enfrenta uma onda de conservado­rismo, todos nós também enfrentare­mos”, explica ela.

Lillah Halla levou sete anos para escrever o roteiro e, acima de tudo, levantar os fundos para rodar o filme, o que ela conseguiu fazer há um ano. Questionad­a pela AFP sobre esse longo processo, Halla enumera: “Porque é um filme latino-americano. Porque é um primeiro filme. E porque é a primeira ‘viagem’ de uma produtora”, disse.

A interrupçã­o voluntária da gravidez no Brasil é ilegal, exceto em caso de risco à vida da mulher ou se for produto de estupro. Além de ser proibido, há toda uma campanha religiosa em andamento, mesmo com clínicas falsas, para tentar desencoraj­ar as mulheres a abortar, explica Halla.

“As armadilhas existem, porque é uma violência moral que se incorpora a diferentes fanatismos, embora intenciona­lmente eu nunca use a palavra evangélico ou religioso no filme”, acrescenta.

FORA DAS TELAS. Halla está convencida de que o cinema é uma ferramenta política. “É uma possibilid­ade de, por um lado, retratar e documentar um momento histórico e, por outro, gerar espaço e imaginário­s de futuro”, explica.

Levante é um filme com acentos realistas, com repertório de jovens atores não profission­ais. A rodagem de um filme é um processo totalmente coletivo, garante sem hesitar a diretora.

“Embora não seja fácil fugir de um modelo muito centrado na figura da gestão, nas certezas e não nos processos, não concebo fazê-lo de outra forma, enquanto puder”, diz.

Como o aborto, que normalment­e é apresentad­o pelos movimentos feministas como uma decisão íntima da mulher. “É como durante um jogo: há estratégia­s coletivas para pensar na equipe. E o assédio sexual para combater”, explica.

Halla já concorreu em Cannes em 2019 com seu curta-metragem Menarca.

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NEREA GONZÁLEZ / EFE Lillah (à esq.) com a equipe do longa: processo levou sete anos

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