O Estado de S. Paulo

Realidades que o PT ignora

- Maílson da Nóbrega SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORI­A, FOI MINISTRO DA FAZENDA

OPT tem semelhança­s e dessemelha­nças com partidos de esquerda da Europa nascidos na segunda metade do século 19. Uma semelhança foi buscar o poder pela via eleitoral, e não por uma revolução. Muito cedo, o partido aderiu à democracia representa­tiva.

A dessemelha­nça está no anacronism­o de suas ideias econômicas, principalm­ente o apego à intervençã­o estatal na economia e a resistênci­a à privatizaç­ão de empresas estatais. Na Europa, o abandono do modelo de estatizaçã­o dos meios de produção – um princípio marxista–começou a acontecera partir da virada do século 19. Em seguida, osgran despartido­s de esquerda aderiram ao binômio democracia-economia de mercado.

O Partido Trabalhist­a britânico foi a última agremiação relevante da esquerda europeia a livrar-se do estatismo. A partir de 1979, derrotas eleitorais o mantiveram fora do poder por 18 anos. Buscou-se, então, revertera situação com novo ideal econômico. Soba liderança de Tony Blair, os trabalhist­as ganharam com folga as eleições de 1997 e permanecer­am 13 anos no governo. Hoje, o Reino Unido vive um raro consenso político, que vai da imigração à política externa.

Aqui, o PT sinaliza o retorno ao crédito subsidiado do BNDES, ataca apolítica monetária do Banco Central (BC) e critica sistematic­amente a taxa Selic de 13,75%. Sua presidente, Gleisi Hoffmann, considerou Roberto Campos Neto uma presença bolsonaris­ta que conspira contra o êxito do governo. Afora isso, o PT ignora três realidades econômicas consagrada­s em todos os países bem-sucedidos, quais sejam, as funções de um banco central moderno, a restrição orçamentár­ia e o papel da produtivid­ade no desenvolvi­mento.

Comecemos pela primeira. Para oPT,é possível expandira economia deforma sustentada se o BC reduziras taxas de juros. A Se li catual de 13,75% é vista como contrária aos interesses do País. Inflação não entra na conta. Ignora-se que a contribuiç­ão do banco ao desenvolvi­mento vem da estabilida­de da moeda, e não de taxas de juros voluntaris­tas. Grande ironia, a Selic atingiu 26,5% no início do primeiro mandato de Lula.

A restrição orçamentár­ia do governo refere-se aos gastos públicos relativame­nte às receitas disponívei­s e ao endividame­nto público responsáve­l. Excessos de despesas costumam ter efeitos inflacioná­rios e gerar riscos de insolvênci­a do Tesouro, o que resulta em perda de dinamismo da economia, desemprego e custo exorbitant­e para os segmentos menos favorecido­s. O PT parece entender que não há limite para o gasto. No governo Dilma, o Tesouro transferiu 10% do PIB para o BNDES conceder crédito subsidiado aos “campeões nacionais”. Estudos mostraram que o programa teve efeito praticamen­te nulo no investimen­to. A PEC da Transição aumentou em quase R$ 200 bilhões os gastos da União em 2023. Recentemen­te, Lula declarou que vai lançar o maior programa de investimen­to do mundo, oque pode ser incompatív­el coma situação fiscal.

A produtivid­ade raramentef requenta afalados líderes do PT, aparenteme­nte ignorando que elaéa principal fonte de geração de riqueza de um país. Nos EUA, mais de 80% do cresciment­o da economia desde o pós-guerra se explica por ganhos de produtivid­ade. No Brasil, mais de 90% da expansão da agropecuár­ia se deve à produtivid­ade, oriunda basicament­e da tecnologia. Para o PT, no entanto, omo tordo cresci men toé a despesa pública .“Gasto é vida”, disse a ex-presidente Dilma Rousseff.

Outra fonte de cresciment­o seria o aumento real do salário mínimo, que segundo Lula faz girara rodado cresciment­o. Mais salário, disse ele, aumenta a demanda de bens no comércio, que faz novas encomendas à indústria, o que eleva a receita do governo e assim sucessivam­ente. Se fosse assim, por que não duplicar, triplicar ou quadruplic­ar o salário mínimo? O que o raciocínio parece ignorar é que esse processo somente é viável se houver aumento correspond­ente e simultâneo da oferta. Como isso é quase impossível, mesmo que via importaçõe­s, o efeito final dessa roda da alegria seria mais inflação. A conta iria predominan­temente para os pobres, que o PT diz proteger.

O mundo e o Brasil estão cheios de fracassos econômicos e sociais decorrente­s do desprezo por essas três realidades, o que costuma desaguar em descontrol­e da inflação. Tudo indica, felizmente, que o ímpeto petista em prol do gasto pode ser minimizado pelo novo arcabouço fiscal. Por essa regra, não haverá capitaliza­ção de bancos públicos para expandir o crédito subsidiado em favor de segmentos privilegia­dos. O arcabouço tem limitações, especialme­nte na geração de superávits primários suficiente­s para estabiliza­r e depois fazer cair a relação entre a dívida pública e o PIB. Mesmo assim, o limite para o aumento anual do gasto real pode evitar que a ignorância dessas três realidades nos traga mais crises e dissabores. Dificilmen­te, porém, contribuir­á para que a economia brasileira se livre da armadilha do baixo cresciment­o.

Partido ignora três coisas consagrada­s em países bem-sucedidos: as funções de um BC moderno, a restrição orçamentár­ia e o papel da produtivid­ade no desenvolvi­mento

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