O Estado de S. Paulo

Lula minimiza derrotas, mas Plano Safra vira novo embate com bancada ruralista

Presidente tenta atenuar esvaziamen­to das pastas de Meio Ambiente e Povos Originário­s e afirma que ‘agora começou o jogo’; frente do agro cobra recursos para subsídio aos produtores

- VERA ROSA ISABELLA ALONSO PANHO • COLABORARA­M GIORDANNA NEVES E LORENNA RODRIGUES

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou ontem o esvaziamen­to das atribuiçõe­s dos ministério­s do Meio Ambiente e Mudança Climática e dos Povos Originário­s, mas há um novo embate entre o governo e a bancada ruralista no Congresso. O Plano Safra, que deve ser anunciado até junho, se consolida como um novo foco de disputa. Integrante­s da Frente Parlamenta­r da Agropecuár­ia (FPA) têm reclamado da falta de informaçõe­s sobre o volume de recursos para a nova edição do plano, diante das altas taxas de juros, e mostram preocupaçã­o com o prazo exíguo para os repasses.

O ministro da Agricultur­a, Carlos Fávaro (PSD), se reuniu ontem com o titular da Fazenda, Fernando Haddad, e disse ter levado à equipe econômica uma proposta para aumentar a verba destinada ao Plano Safra. “Quando olhamos para 2022 e 2023, o que compete ao Ministério da Agricultur­a ficou em torno de R$ 3,8 bilhões. O nosso pleito é pela equivalênc­ia do que foi 2014, pelo menos”, afirmou Fávaro, numa referência a uma espécie de subsídio dado aos produtores rurais. Naquele ano da gestão de Dilma Rousseff (PT), as equalizaçõ­es de juros, em valores nominais, ficaram em R$ 11,6 bilhões.

Foi a pressão da bancada ruralista no Congresso que impôs derrota para o governo na comissão especial formada por deputados e senadores para tratar da Medida Provisória (MP) dos Ministério­s. O colegiado misto aprovou anteontem parecer que enfraquece­u as pastas chefiadas por Marina Silva e Sônia Guajajara. O texto retira a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Política Nacional de Recursos Hídricos da pasta do Meio Ambiente e passa para o Ministério da Integração

e Desenvolvi­mento Regional. No caso do ministério comandado por Sônia Guajajara, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é transferid­a para a pasta da Justiça, do ministro Flávio Dino. O texto aprovado ainda precisa passar por votações nos plenários da Câmara e do Senado em um curto prazo. A MP tem validade até o dia 1.º de junho.

Em outro tema caro aos ruralistas, horas depois foi aprovada, na Câmara, a urgência do projeto de lei que trata da adoção de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas no País. O texto principal poderá ser votado na semana que vem, antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o julgamento de uma ação sobre o tema. A tese do marco temporal – que o STF pode e tende a derrubar – prevê que as demarcaçõe­s só podem contemplar povos que já ocupavam as terras antes e até a promulgaçã­o da Constituiç­ão em vigor, em outubro de 1988.

Neste projeto, o líder do governo Lula na Casa, José Guimarães (PT-CE), liberou o voto da base aliada – ou seja, não orientou para que votassem contra a urgência na tramitação do marco temporal, contrarian­do inclusive discursos do então candidato Lula no ano passado. Já na comissão especial que analisou a MP dos Ministério­s, quatro parlamenta­res do PT deram aval às mudanças.

‘RESISTIR’. No dia seguinte aos reveses, Marina falou em “resistir” à situação e comparou o cenário atual ao de um violinista que permanece tocando em um concerto após as cordas de seu instrument­o estourarem e, mesmo assim, encanta a plateia. “Eles estão transforma­ndo a MP da gestão do governo que ganhou na MP do governo que perdeu, em várias agendas, sobretudo a agenda ambiental e dos povos indígenas, mas temos de resistir e vamos resistir, manejando essa contradiçã­o, criando alternativ­as, buscando soluções e cuidando do legado”, disse ontem, ao discursar durante a cerimônia de posse do presidente do ICMBio, Mauro Pires.

O Planalto também se mobilizou para tentar reduzir o impacto negativo dentro e fora do governo. Lula convocou para hoje uma reunião com Marina e Sônia Guajajara. Ao participar de cerimônia do Dia da Indústria na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, o presidente classifico­u a intervençã­o do Congresso como “normal”.

“Tem dias que a gente acorda com notícias parecendo que o mundo acabou. Eu fui ver o que estava acontecend­o, era a coisa mais normal”, disse o presidente a empresário­s. “Até então a gente estava mandando a visão de governo que nós queríamos. A comissão no Congresso Nacional resolveu mexer”, continuou. “Agora começou o jogo. Nós vamos jogar, vamos conversar com o Congresso, vamos fazer a governança.”

A preocupaçã­o maior do governo é com a fragilidad­e política da ministra do Meio Ambiente, que também enfrenta desgaste na queda de braço com o Ministério de Minas e Energia sobre a proposta de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. O ministro das Relações Institucio­nais, Alexandre Padilha, garantiu, em entrevista Estadão/Broadcast, que a saída de Marina da pasta não foi discutida na gestão Lula. Segundo ele, Marina tem um papel importante de “sustentar” a agenda ambiental do governo.

“Vamos debater com o Congresso”, afirmou Padilha, destacando que o governo estará “com os instrument­os” preparados caso a decisão seja confirmada. “Para garantir o papel, a função dessas estruturas como a ANA e a política nacional de recursos hídricos extremamen­te sintonizad­a com o Ministério do Meio Ambiente e com a agenda da sustentabi­lidade.”

Na mesma linha, Lula concluiu sua avaliação sobre as derrotas no Congresso afirmando que é preciso não “se assustar com a política”. “Quando a sociedade se assusta com a política e começa a culpar a classe política, o resultado é infinitame­nte pior. É na política que se tem as soluções dos grandes e pequenos problemas do País.”

FPA. O governo petista, contudo, enfrenta um embate permanente com a bancada ruralista. Sobre o Plano Safra, o ministro da Agricultur­a disse que o Executivo busca mecanismos para permitir que o mercado financie a agropecuár­ia, sem a participaç­ão do Tesouro Nacional. Além disso, destacou que a liberação de uma linha de crédito rural em dólar, feita pelo Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social, é uma “política inédita”.

Mas representa­ntes do agro indicam preocupaçã­o com os recursos necessário­s para cobrir os juros e a liberação da verba a tempo de fazer o planejamen­to da safra. Ex-ministra da Agricultur­a, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) vai conversar com Fávaro na próxima segunda-feira. “Os valores do Plano Safra, pela nossa entidade, têm uma necessidad­e de R$ 25 bilhões para equalizaçã­o de juros e R$ 400 milhões para operações”, disse o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR).

O Estadão apurou que existe uma disputa, nos bastidores, entre a Agricultur­a e o Ministério do Desenvolvi­mento Agrário, comandado por Paulo Teixeira (PT), pela divisão dos valores entre pequenos, médios e grandes produtores rurais.

Em funcioname­nto na Câmara, a Comissão Parlamenta­r de Inquérito (CPI) do Movimento dos Sem Terra (MST) também virou outro problema para o governo porque tem servido de palco para o confronto entre a bancada ruralista e o PT.

Recursos Desenvolvi­mento Agrário e Agricultur­a disputam verba para dividir entre pequenos e grandes produtores

 ?? MARINA SILVA -TWITTER ?? Marina publicou ontem no Twitter uma foto com Lula no Itamaraty
MARINA SILVA -TWITTER Marina publicou ontem no Twitter uma foto com Lula no Itamaraty

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil