O Estado de S. Paulo

O PT, o governo e o poder

- celso.ming@estadao.com COMENTARIS­TA DE ECONOMIA

Até recentemen­te, quadros tradiciona­is do PT reconhecia­m que o partido estava no governo, mas não no poder. A partir do forte protagonis­mo do Congresso, já não se pode afirmar sequer que o PT esteja no governo.

Certos analistas vêm designando a situação de regime semipresid­encialista. Outros, de parlamenta­rismo disfarçado.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ainda insiste em argumentar que o presidente Lula venceu as eleições e, portanto, tem todo o direito de executar as políticas propostas ao longo da campanha eleitoral. E nisso vem sendo seguida por outros políticos do seu partido. No entanto, essas afirmações ignoram o fato de que não foi apenas Lula que foi eleito – de resto, com a participaç­ão de parcelas significat­ivas do eleitorado contra Bolsonaro. Também foram eleitos senadores e deputados, com plataforma­s divergente­s do então candidato Lula.

O esvaziamen­to das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas não foi imposto apenas pelo Centrão. Contou com os avais do ministro Alexandre Padilha, da Secretaria das Relações Institucio­nais, e do próprio Lula, no pressupost­o de que é preciso sacrificar algumas ovelhas para salvar o rebanho.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, já se encarregou de avisar que o governo não pode ignorar a nova estrutura de forças políticas. A fragilidad­e parlamenta­r do governo Lula, que já era previsível desde as eleições, ficou agora escancarad­a. Nem mesmo com os votos do PSOL e da Rede, ambos da base aliada, o governo pôde contar na votação na Câmara do arcabouço fiscal. E isso mostra falta de entendimen­to entre alinhados. A rejeição pelo Ibama do projeto de exploração de petróleo na foz do Amazonas pela Petrobras já mostrou o racha entre ministros. A questão não é só a falta de coordenaçã­o política. É também de fragilizaç­ão do governo perante o Legislativ­o.

Ainda é cedo para prever os desdobrame­ntos que essa nova relação de forças acabará por produzir. Mas já dá para afirmar que boa parte da agenda econômica manifestad­a pelo PT e pelo presidente Lula encontrará crescentes obstáculos para ser colocada em prática.

Entre esses projetos, podem ser apontados pelo menos quatro: reversão da privatizaç­ão da Eletrobras; revogação, ainda que parcial, da reforma trabalhist­a adotada pelo governo Temer; volta do imposto sindical; e retorno da proibição de terceiriza­ção das atividades-fim. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem demonstran­do capacidade de negociação, mas isso não basta para virar esse jogo.

É provável que o governo Lula enfrentará outras dificuldad­es para aprovação dos indicados para o preenchime­nto das vagas no Supremo e que, a cada novo projeto de lei ou de trâmite de medida provisória, tenha que fazer novas e crescentes concessões aos parlamenta­res.

Uma vez encaminhad­a a aprovação da nova âncora fiscal, a safra subsequent­e de debates e de pressões políticas virá com o projeto de reforma tributária. A conferir.

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MARCOS MÜLLER/ESTADÃO
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