‘Petrobras vende 10% mais caro a refinaria privada’
CEO diz que a Acelen teve de ir ao Cade depois de, sem sucesso, ‘tentar o diálogo’ com a estatal
Executivo dos setores químico, petroquímico, de biocombustíveis e de energia, é formado em Engenharia de Produção (Poli-USP)
“Quem está sendo prejudicado aqui? O consumidor do Nordeste, da Bahia. O petróleo que vai para a Bahia é mais caro do que o que vai para Rio de Janeiro e São Paulo”
Opresidente da Acelen, Luiz de Mendonça, espera urgência na decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a venda de petróleo pela Petrobras às refinarias privadas. Para ele, que comanda a mais relevante empresa dessa categoria, criada após a compra da Refinaria de Mataripe (BA) pelo fundo de investimento árabe Mubadala, o imbróglio atingiu o limite: coloca em risco o crescimento do setor de refino no Brasil, inclusive os investimentos de R$ 12 bilhões em uma nova fábrica de biocombustíveis, anunciados pela empresa em abril.
Em entrevista concedida no dia em que protocolou o pedido de liminar no Cade contra a estatal, Mendonça afirmou que a Petrobras vende petróleo à Acelen 10% mais caro do que às refinarias próprias, o que violaria a isonomia da concorrência. “Ela é o competidor dominante, somos os agentes da ponta e estamos sendo apertados no petróleo”,disse. “A gente não tem como escapar de comprar da Petrobras.” (Procurada para comentar as afirmações de Mendonça, a Petrobras não respondeu até a conclusão desta edição).
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Por que ir ao Cade contra a Petrobras?
Desde o primeiro dia em que a gente assumiu (a Refinaria de Mataripe), o diálogo sempre existiu, e a gente sempre indicou para a Petrobras que, em nossa avaliação e com os dados que a gente sempre teve, estávamos sendo discriminados na compra do nosso petróleo. A gente tentou o diálogo, mas não avançamos, e estamos agora solicitando ao Cade que intervenha com a maior brevidade possível, para dizer quais são as regras a que a empresa dominante deveria obedecer.
O acordo de compra da refinaria não tinha nada escrito sobre isso?
Não tinha preço, mas ficou claro que a gente estava pagando mais caro. A gente indicou que (o valor pago) estava fora e teve negociação todo mês. Não dá para abastecer uma refinaria só com o petróleo importado. A Petrobras é o competidor dominante, tem 70% da produção brasileira, mas cerca de 90% da comercialização do petróleo no Brasil acaba passando pela Petrobras. É um fato de que não tem como escapar. Não se opera refinaria no Brasil sem contar com o petróleo da Petrobras.
Como descobriram que o preço estava mais alto do que o interno da estatal?
Isso já era evidente e foi ficando evidente na negociação que não foi avançando. Fomos coletando elementos cada vez mais fortes que corroboravam que estávamos sendo discriminados na aquisição do petróleo, com uma política discriminatória de preços, inclusive com dados publicados pela própria Petrobras. O mais flagrante de todos foi a publicação de dois preços de transferência da Petrobras,
com diferença gigantesca. Ela estava vendendo para suas próprias refinarias a um preço muito abaixo do que ela vende para a Acelen. Ou seja, ela é o competidor dominante, somos os agentes da ponta e estamos sendo apertados no petróleo, que a gente não tem como escapar de comprar da Petrobras.
Os srs. tentaram negociar com a Petrobras?
Estamos abertos ao diálogo, temos diálogo com a Petrobras e negociação constante. Mas não os sensibilizamos. A investigação no Cade começou em 2022, mas os elementos agora são tais, que essa medida preventiva que pedimos é urgente. Está chegando a um ponto em que vou ter de começar a reduzir a carga da refinaria e começar a rever investimentos. Quem está sendo prejudicado aqui? O consumidor do Nordeste, da Bahia. O petróleo que vai para a Bahia é mais caro do que o que vai para Rio de Janeiro e São Paulo.
Há alguma cláusula no contrato de compra da refinaria que determina à Petrobras a venda do petróleo pelo mesmo preço interno?
O foco não é o que está escrito no contrato, é o que diz a lei brasileira. Teve afirmações de que ela (Petrobras) teria uma política de paridade. Temos os preços que a Refinaria de Mataripe pagava antes do acordo de compra (da refinaria). Esses preços foram majorados depois da venda. Hoje, a diferença entre o preço de transferência da Petrobras e o que vende para a gente é de 10%; em alguns casos estamos falando de US$ 8 o barril, US$ 10 , o que é muito significativo.
Quanto a Acelen já investiu em Mataripe?
No primeiro ano, investimos R$ 1,1 bilhão, que já era duas vezes e meia a média que Petrobras investiu nos últimos anos (em que controlava a empresa).O refino chegou ao processamento de 90% (era 65%). Lançamos novos produtos, reduzimos todos os índices de impacto ambiental, melhoramos a eficiência energética da refinaria, ou seja, ela produz mais com menos recursos. Recuperamos e partimos unidades que estavam paradas. Temos um dinamismo muito grande e anunciamos a intenção de nosso acionista de fazer um grande investimento em combustíveis renováveis.