Noruega mostra o futuro sem os carros a gasolina
Em 2022, 80% dos veículos novos vendidos no país escandinavo eram movidos a eletricidade
Benefícios Emissões de gases de efeito estufa de Oslo caíram 30% desde 2009, e a cidade está bem mais silenciosa sem os veículos a gasolina e diesel Na vanguarda País nórdico encerrará as vendas de automóveis com motor de combustão interna em 2025 – um dos primeiros do mundo
Cerca de 177 quilômetros ao sul de Oslo, ao longo de uma estrada margeada por pinheiros e bétulas, um posto de abastecimento reluzente permite vislumbrar um futuro no qual os veículos elétricos predominam. Os carregadores superam em muito o número de bombas de gasolina na área de serviços operada pela Circle K, uma rede de varejo que começou no Texas. Durante os fins de semana de verão, quando os moradores de Oslo escapam para casas de campo, a fila para recarregar baterias às vezes se estende até a via de acesso.
Marit Bergsland, que trabalha na loja de conveniências, precisou aprender como ajudar clientes que não conseguem conectar os veículos aos carregadores, além de suas tarefas habituais, como virar hambúrgueres e cobrar por alcaçuz salgado, uma iguaria popular no país. “Às vezes precisamos dar um café para que eles se acalmem”, disse.
No ano passado, 80% das vendas de carros novos na Noruega foram de elétricos, posicionando o país na vanguarda da mudança para a mobilidade movida a bateria. Além de transformar a Noruega num observatório para descobrir o que a revolução dos veículos elétricos pode significar para o meio ambiente, para os trabalhadores e para a vida no geral. O país encerrará as vendas de automóveis com motor de combustão interna em 2025 – deve ser um dos primeiros do mundo a alcançar isso.
A experiência da nação nórdica sugere que os veículos elétricos trazem benefícios sem as consequências terríveis previstas por alguns críticos. Há problemas, é claro, incluindo os carregadores sem funcionar direito e as longas filas de espera em períodos de alta demanda. As concessionárias e os varejistas tiveram de se adaptar. A mudança reorganizou o setor automobilístico, transformando a Tesla na marca mais vendida e deixando de lado montadoras consagradas como Renault e Fiat.
No entanto, o ar em Oslo, capital da Noruega, está comprovadamente mais limpo. A cidade também está mais silenciosa, pois os veículos mais barulhentos movidos a gasolina e a diesel são descartados. As emissões de gases de efeito estufa de Oslo caíram 30% desde 2009, ainda assim não houve desemprego em massa entre os trabalhadores dos postos de gasolina e a rede elétrica não foi arruinada.
Alguns políticos e executivos de empresas descrevem o combate às mudanças climáticas como algo que exige um sacrifício terrível. “Não é bem assim com os veículos elétricos”, disse Christina Bu, secretária-geral da Associação Norueguesa de Veículos Elétricos, que representa os proprietários. “Na verdade, é algo que as pessoas acolhem.”
INCENTIVO. A Noruega começou a promover veículos elétricos na década de 1990 para apoiar a Think, uma startup de automóveis elétricos de propriedade que há alguns anos é propriedade da Ford Motor. Os veículos movidos a bateria eram isentos de impostos sobre valor agregado (IVA) e de importação, e não pagavam pedágios nas estradas.
O governo também subsidiou a construção de postos para carregamento rápido, no país que tem 5,5 milhões de habitantes – menos da metade da cidade de São Paulo. A combinação de incentivos e carregadores por todos os lados “fez sumir todos os fatores de conflito”, disse Jim Rowan, presidente da Volvo Cars, com sede na vizinha Suécia.
As políticas posicionam a Noruega mais do que uma década à frente dos EUA. O governo do presidente dos EUA, Joe Biden, almeja que 50% das vendas de veículos novos sejam de elétricos até 2030, um marco que a Noruega alcançou em 2019.
A poucos metros de uma rodovia com seis faixas que contorna a orla de Oslo, tubos de metal saem do telhado de um galpão pré-fabricado. A construção mede a poluição gerada pelos veículos que passam por ali, a poucos passos de uma ciclovia e de uma marina.
Os níveis de óxidos de nitrogênio, subprodutos da queima da gasolina e do diesel que provocam poluição atmosférica, asma e outras doenças, caíram drasticamente conforme o número de veículos elétricos aumentou. “Estamos prestes a resolver o problema dos NOx”, disse Tobias Wolf, engenheiro-chefe de qualidade do ar de Oslo, referindo-se aos óxidos de nitrogênio.
Mas ainda há um problema sério. O ar de Oslo tem níveis insalubres de partículas microscópicas geradas em parte pelo atrito dos pneus com o asfalto. Os veículos elétricos, que representam cerca de um terço dos automóveis registrados na cidade, mas uma proporção maior do tráfego, podem mesmo agravar o quadro.
“Eles são realmente muito mais pesados do que os carros com motor de combustão interna, e isso significa que estão causando mais atrito”, disse Wolf, que, como muitos residentes de Oslo, prefere se locomover de bicicleta.
Outro problema persistente: os moradores de apartamentos dizem que encontrar um lugar para plugar seus carros continua sendo um desafio. Há poucos dias, parlamentares e moradores locais se reuniram no porão de um restaurante de Oslo para discutir a questão.
Sirin Hellvin Stav, vice-prefeita de Meio Ambiente e
Transporte de Oslo, disse no evento que a cidade deseja instalar mais carregadores públicos, mas também reduzir o número de carros em um terço para tornar as ruas mais seguras e haver mais espaço para caminhar e andar de bicicleta.
“O objetivo é reduzir as emissões, e é por isso que os veículos elétricos são tão importantes, mas também é tornar a cidade melhor para se viver”, disse Sirin, do Partido Verde, em entrevista.
Os veículos elétricos fazem parte de um plano mais amplo de Oslo para diminuir suas emissões de dióxido de carbono a quase zero até 2030. Todos os ônibus da cidade serão elétricos até o final do ano.
OUTROS SETORES. Oslo também está mirando na construção, fonte de mais de um quarto de suas emissões de gases de efeito estufa. As construtoras que concorrem em licitações de projetos públicos têm mais chance de ganhar se utilizarem equipamentos que funcionam com eletricidade ou biocombustíveis.
Espen Hauge, que administra os projetos de construção da cidade, disse ter se surpreendido com a rapidez com que as construtoras substituíram máquinas movidas a diesel por equipamentos elétricos difíceis de se encontrar. “Alguns projetos para os quais pensávamos ser impossível ou muito difícil alcançar emissão zero, ainda assim receberam propostas com emissão zero”, disse.
Os veículos elétricos estão criando empregos em outros setores. Em Fredrikstad, a cerca de 88 quilômetros ao sul de Oslo, uma antiga siderúrgica foi transformada em um centro de reciclagem de baterias. Os trabalhadores, incluindo alguns que trabalhavam na siderúrgica, desmontam os conjuntos de bateria. Depois, uma máquina tritura as embalagens para separar plástico, alumínio e cobre de uma massa preta que contém ingredientes cruciais como lítio, níquel, cobalto, manganês e grafite. •
“Alguns projetos (de obras dentro de Oslo) para os quais pensávamos ser impossível ou muito difícil alcançar emissão zero ainda assim receberam propostas com emissão zero”
Espen Hauge
Gestor de obras em Oslo