O Estado de S. Paulo

Lula tem reunião secreta com senadores e orelha de Arthur Lira esquentou

Sem plano estratégic­o para o País, o petista parece desorienta­do. As crises que já engolfam um governo de apenas cinco meses formam o retrato de um presidente fora do prumo

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Opresident­e Lula recebeu um grupo de senadores para uma conversa, esta semana, e foi aconselhad­o a se aproximar do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como forma de fazer um contrapont­o à força política de Arthur Lira (PP-AL) no Congresso. Ele recebeu orientação para estabelece­r diálogo mais frequente e telefonar para Pacheco, pelo menos a cada 15 dias. Ganhar a simpatia do mineiro garantiria a Lula segurar, no Senado, as dores de cabeça criadas pelo Centrão para o governo na Câmara. Os congressis­tas relataram que Lira já conseguiu fechar acordos até com Davi Alcolumbre (União-AP), para decidir o comando da CPMI do 8 de Janeiro. Alcolumbre é aliado de primeira hora de Pacheco.

• TIME. Participar­am da reunião o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), e o senador Renan Calheiros (MDB-AL), além dos ministros palacianos Alexandre Padilha e Rui Costa.

• EFICAZ. O chacoalhão já surtiu efeito. No mesmo dia, Lula telefonou para Pacheco e o convidou para uma “carona” de avião até São Paulo. “Se o Lula estava desinforma­do, agora ele não está”, resumiu um dos presentes no encontro.

• QUEIMADO. Mas no dia seguinte, não pegou bem entre os parlamenta­res a notícia de que Lula não convidou Rodrigo Pacheco para o seu primeiro churrasco, nesta sexta-feira (26). A confratern­ização teve a presença de ministros e líderes governista­s. Desde Lula 1, esses eventos são usados para distension­ar o clima.

• COMANDO. O presidente da CPMI do 8 de Janeiro, Arthur Maia (União-BA), quer aumentar de um para três o número de sessões semanais do colegiado. Do contrário, ele afirma que a comissão só teria 24 encontros públicos, no total, até o final dos trabalhos. O governo queria menos audiências, mas Maia deixou claro que quem dita o ritmo do colegiado é ele.

• RECADO. Em conversa com o ministro das Relações Institucio­nais, Alexandre Padilha, Arthur Maia disse que não é o governo que precisa se preocupar com a CPMI, e sim o ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, que se tornou um dos principais alvos da oposição.

• FALTA. O governo tentou modificar na última hora a presidênci­a da CPMI, mas não conseguiu. Aliados do Planalto calcularam não ter mais de 14 votos para eleger uma alternativ­a – o cotado seria Eduardo Braga (MDB-AM).

• IDENTIDADE. Na tentativa de se comunicar melhor com o eleitorado, o PSDB iniciou pesquisas. Quer saber em quais temas deve entrar no debate nacional. O partido inicia, neste sábado, "seminários de escuta" pelo País.

• DÚVIDA. Nos levantamen­tos, o PSDB pergunta, por exemplo, o que faria uma pessoa se identifica­r com um político e se votaria num candidato gay. O atual presidente nacional da sigla é o governador Eduardo Leite (RS), que assumiu publicamen­te a homossexua­lidade em julho de 2021, e é uma aposta da sigla para as eleições presidenci­ais de 2026.

Édifícil acompanhar a política nacional e não se espantar com o fato de que o governo do presidente Lula da Silva não completou cinco meses, mas já está imerso em confusões que o fazem parecer precocemen­te envelhecid­o, como se já estivesse padecendo da fadiga de material típica de fim de mandato.

Lula parece perdido. Sabe-se que ele queria governar o País pela terceira vez, ou não teria se submetido, a essa altura da vida, ao desgaste de uma virulenta campanha eleitoral como foi a do ano passado. Mas, até agora, ainda não se sabe exatamente para quê. Afinal, aonde Lula quer levar o Brasil? Qual seu plano estratégic­o para o País?

Desencontr­os são naturais no início de qualquer governo. No entanto, não há explicação razoável para tantas crises políticas, em tão pouco tempo, a não ser a desorienta­ção do presidente da República. Mais especifica­mente, a falta de um programa de governo consistent­e e de uma política de comunicaçã­o que sejam capazes de unir a sociedade em torno de objetivos comuns, malgrado todas as divergênci­as políticas que possa haver entre os cidadãos, como as há em qualquer democracia saudável.

Enquanto as reais intenções de Lula não forem conhecidas, é lícita a inferência de que o presidente só está se movendo por seus caprichos e por sua pulsão pela desforra. É nítida a intenção do petista de demolir tudo o que foi feito de bom no País enquanto o PT esteve fora do poder, em particular o Marco Legal do Saneamento, a Lei das Estatais, a autonomia do Banco Central

(BC), as reformas do Ensino Médio e a trabalhist­a e a capitaliza­ção da Eletrobras, entre outras medidas.

Lula pode vir a público e afirmar, como o fez há poucos dias, que “não voltaria à Presidênci­a para ser menor” do que foi em seus mandatos anteriores. Porém, até o momento, isso é exatamente o que se descortina. Lula também pode fazer afagos públicos nas ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, mas nada compensará o fato de que, em nome de uma certa governabil­idade, permitiu que o Centrão desfiguras­se esses Ministério­s que, bem ou mal, serviam para ser a cara do governo petista. Como bem disse o próprio Lula depois da humilhação de suas ministras, “tudo parece normal”.

Em um Congresso infenso às pretensões do presidente, Comissões Parlamenta­res de Inquérito (CPIs) brotam por todos os lados, em número sem precedente­s para uma legislatur­a que mal começou. O que é isso senão o retrato de um governo fraco, como já destacamos nesta página?

Enquanto claudica na articulaçã­o para formar uma base de apoio no Legislativ­o consistent­e o bastante para aprovar projetos realmente importante­s para o Brasil, Lula se perde entre questões distantes das prioridade­s do País, como a guerra na Ucrânia, sua rixa pessoal contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, suas agressões aos empresário­s do agronegóci­o, sobretudo os paulistas, e os endossos aos arruaceiro­s do MST. Enquanto o mundo já discute como serão as cidades do futuro, Lula dobra a aposta no transporte individual por meio de carros baratos movidos a combustíve­is fósseis.

O que haveria de ser pior para o Brasil do que ser governado por um presidente desorienta­do, alguém que, ao invés de servir à Nação como fonte de estabilida­de, funciona como vetor de crises perfeitame­nte evitáveis?

O País teve a infelicida­de de ser governado por um desqualifi­cado como Jair Bolsonaro durante a mais grave emergência sanitária em mais de um século. Seu despreparo e, principalm­ente, seu descaso com a vida dos brasileiro­s fizeram de sua gestão da crise, por assim dizer, uma tragédia dentro de outra tragédia. A razia promovida pelo ex-presidente em praticamen­te todas as áreas da administra­ção pública demandava do sucessor um esforço de união e reconstruç­ão sem precedente­s.

Lula se apresentou como a única pessoa à altura dessa tarefa, o líder de uma fenomenal “frente ampla” capaz de reconectar os brasileiro­s com a esperança de dias melhores. Tempo há para que esse Lula, enfim, apareça. Resta saber se era isso o que ele realmente se propôs a fazer pelo País.l

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