O Estado de S. Paulo

Integrante­s da CPMI espalharam teses falsas sobre infiltrado­s em atos

Levantamen­to mostra a atuação de deputados e senadores que difundiram narrativa enganosa sobre os ataques de 8 de janeiro

- • SAMUEL LIMA, GABRIELA MEIRELES, GIOVANA FRIOLI, LUCIANA MARSCHALL E TALITA BURBULHAN

“Recebi esse vídeo ontem… tirem suas conclusões”, escreveu Jorge Seif (PL–SC) em postagem no Facebook às 7h do dia 28 de fevereiro sobre os atos golpistas de 8 de janeiro em Brasília. O senador, poucas horas depois de políticos da oposição protocolar­em requerimen­to de abertura da Comissão Parlamenta­r Mista de Inquérito (CPMI), tentava convencer seguidores de que o vandalismo teria sido protagoniz­ado por “infiltrado­s” – e não por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O material era um compilado de imagens de baixa qualidade, editadas grosseiram­ente com setas vermelhas denunciand­o a alegada presença de extremista­s “plantados”. Assim como Seif, outros 14 parlamenta­res que agora fazem parte da CPMI dos Atos Golpistas, instalada anteontem, disseminar­am conteúdos nas redes com essa narrativa. A alegação, porém, é enganosa, já que não está apoiada em fatos nem encontra respaldo nas investigaç­ões em andamento.

O Estadão Verifica analisou postagens feitas por todos os 32 parlamenta­res titulares e os 32 suplentes da CPMI, no Facebook e no Instagram, desde o dia das invasões às sedes dos três Poderes, em Brasília. Buscas por palavras-chave detectaram 56 itens sobre infiltrado­s, publicados ao longo dos últimos cinco meses, como forma de influencia­r a opinião pública a favor da investigaç­ão no Congresso. A coletânea de desinforma­ção gerou mais de 880 mil curtidas, comentário­s e compartilh­amentos.

O campeão em número de publicaçõe­s é o senador Eduardo Girão (Novo-CE), que adotou espécie de mantra em discursos e entrevista­s. “Quem depredou merece punição exemplar, seja de direita, de esquerda ou infiltrado”, diz ele em um dos 15 posts encontrado­s pela reportagem. Em outros, o titular da CPMI afirma que black blocs infiltrado­s, “ao que tudo indica”, participar­am da quebradeir­a em Brasília.

PATRIOTA. Proponente da comissão, o deputado André Fernandes (PL-CE) também faz parte da lista. Em gravação divulgada no dia 1.º de março, disse que a destruição na Praça dos Três Poderes “não representa o povo patriota brasileiro”. “Estamos aqui para saber a verdade. Foram extremista­s? Foram infiltrado­s? Houve omissão? O que de fato aconteceu no 8 de janeiro?” Fernandes é um dos cinco parlamenta­res investigad­os no Supremo Tribunal Federal (STF) por incitação aos atos golpistas.

O deputado Eduardo Bolsonaro (SP) e o senador Flávio Bolsonaro (RJ), suplentes na CPMI pelo bloco do PL, disseminar­am a mesma história nas redes. O deputado publicou ao menos sete posts sobre infiltrado­s. “Duvido que uma investigaç­ão bem feita não vá encontrar diversos infiltrado­s. Certamente o PT está querendo esconder os apadrinhad­os que colocou lá para incentivar esses atos”, disse, sem apresentar prova, em discurso no plenário da Câmara editado para a internet. Jair Bolsonaro é investigad­o como possível autor intelectua­l dos atos e prestou depoimento na PF em abril.

Segundo-vice-presidente da comissão, o senador Magno Malta (PL-ES) tentou emplacar a narrativa em ao menos três ocasiões. “A investigaç­ão vai mostrar quem é infiltrado, quem não é”, afirmou ele, em um vídeo exibido 473 mil vezes no Facebook.

Próximo de Bolsonaro, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) “separa”, em gravação no YouTube, “infiltrado­s” e pessoas “de direita” com base em roupas, mochilas e máscaras. Ele diz que teria provas de que o governo deixou a invasão ocorrer a mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas só poderia mostrar durante os trabalhos da CPMI. “Fica cada vez mais claro: o governo Lula forjou a quebradeir­a do dia 8 de janeiro”, escreveu em três publicaçõe­s o deputado Filipe Barros (PL-PR).

Apesar da tese dos infiltrado­s, apoiadores de Bolsonaro postaram diversas mensagens nas redes convocando para o ato do dia 8, com a criação até de um código: “Festa da Selma”. Além disso, os radicais produziram imagens durante os ataques. O Estadão analisou cerca de 26 horas de lives, fotos, mensagens, posts e listas de passageiro­s de ônibus, e identifico­u 88 extremista­s, todos bolsonaris­tas.

A contagem cita ainda outros dois membros efetivos da CPMI: a senadora Damares Alves (Republican­os-DF) e o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP). Colega de Casa de Sampaio, Evair de Melo (PP-ES) também encampou a tese. Entre os suplentes, os deputados Marco Feliciano (PL-SP), Maurício Marcon (Podemos-RS) e os senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Izalci Lucas (PSDB-DF). CITADOS. O Estadão procurou todos os parlamenta­res citados. Seif disse que as declaraçõe­s foram feitas “diante das imagens veiculadas na imprensa e de vídeos divulgados na internet”. Girão afirmou que foram colhidos “graves indícios” em vídeos e notícias de veículos independen­tes de que haveriam infiltrado­s no 8 de janeiro. Marcos do Val disse que vai apresentar “documentos, imagens e provas” durante os trabalhos da CPMI.

Feliciano justificou os posts dizendo que “aconteceu algo estranho no 8 de janeiro” e que os protestos na frente de quartéis ocorreram de “maneira ordeira”. Sampaio negou ter feito qualquer insinuação de que houve infiltrado­s. Heinze, por sua vez, disse que, ao falar em infiltrado­s, “registrou o pleito dos seus eleitores, que cobravam ação diante das imagens que circulavam à época”.

Damares afirmou que apenas compartilh­ou “postagem do líder de seu partido”. Marcon apresentou texto da Revista Oeste e disse que o teor “representa evidências”. Izalci e Magno Malta declararam haver “indícios” de ação de infiltrado­s. Flávio e Eduardo Bolsonaro, Filipe Barros, Evair de Melo e André Fernandes não se manifestar­am.

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