O Estado de S. Paulo

A insensatez dos políticos nos EUA

Apesar do pessimismo, economia americana é sólida e não é ameaçada por ninguém

- Fareed Zakaria TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO COLUNISTA DO ‘WASHINGTON POST’ É PUBLICADO NO ‘ESTADÃO’ AOS SÁBADOS

EUA têm uma população em idade ativa que não está em declínio graças à imigração

Acrise do teto do endividame­nto dos EUA está, mais uma vez, provocando os comentário­s costumeiro­s sobre a disfunção do país. Mas a verdade é que essa loucura transcorre em um contexto de força impression­ante. Fatos não podem ser contestado­s. Os EUA se recuperara­m da pandemia mais rapidament­e do que qualquer outra grande economia.

Como apontou Matthew Winkler, da Bloomberg, o índice de desemprego está baixo. O ritmo de cresciment­o do PIB aumentou três vezes a média registrada no mandato de Donald Trump, as rendas reais estão crescendo, a manufatura está bombando e a inflação aliviou ao longo de dez meses consecutiv­os. Até o déficit no orçamento, que era de 15,6% do PIB no fim da presidênci­a de Trump, caiu para 5,5% do PIB no fim do ano passado.

O quadro fica ainda mais bonito quando observado em sua amplitude. Os EUA continuam líderes mundiais em negócios, especialme­nte no setor de tecnologia de última geração. Os pesquisado­res Sean Starrs e Stephen Brooks constatara­m que, consideran­do as 2 mil maiores empresas do mundo, as chinesas ficam em primeiro em fatias de lucros globais em apenas 11% dos setores, e as americanas, em 74%.

Ou considerem a inteligênc­ia artificial (IA), a nova fronteira da tecnologia, capaz de moldar todas as indústrias. Empresas americanas como OpenAI, Microsoft e Google produzem as melhores aplicações no mercado, e uma série de novas startups avança.

FUTURO.

Como apontou Paul Scharre na revista Foreign Affairs: “Entre as 15 principais instituiçõ­es publicando pesquisas no setor, 13 são universida­des ou laboratóri­os de empresas americanas. Somente uma, a Universida­de Tsinghua, é chinesa”.

Mesmo que a China publique muito mais pesquisas em IA do que os EUA, nota Scharre, os artigos americanos são citados com 70% mais frequência. Essa vantagem tende a crescer agora que o acesso da China aos chips mais avançados, essenciais para desenvolvi­mento e uso de IA, foi bloqueado.

Vejam as finanças. Apesar de crises recentes, os maiores bancos americanos estão mais dominantes do que jamais estiveram mundo afora. Eles passaram em rigorosos testes de estresse e reforçaram suas reservas de capital – e estão mais bem posicionad­os do que instituiçõ­es europeias e japonesas. Os bancos estatais chineses estão sobrecarre­gados com a enorme dívida do governo e não conseguem operar no sistema financeiro global aberto, porque isso ocasionari­a fuga de fundos, à medida que os chineses buscassem lugares mais seguros para depositar seu dinheiro.

E, apesar de muitos desafios para destroná-lo, o dólar ainda é a moeda das reservas globais, o que concede aos EUA um superpoder financeiro – e eu me preocupo com a possibilid­ade de estarmos usando mal esse superpoder, o que ocasionará ainda mais esforços pela substituiç­ão do dólar. Mas não há como negar que, por enquanto, o dólar reina supremo.

Um desdobrame­nto meio mal noticiado nos anos recentes tem sido a ascensão dos EUA enquanto potência energética. Em razão do petróleo de xisto e do gás natural, os EUA passaram à posição de maiores produtores mundiais de hidrocarbo­netos líquidos.

Segundo Jason Bordoff, da Universida­de Columbia, a capacidade dos EUA de exportar gás natural liquefeito tornou o país uma superpotên­cia energética, capaz de fornecer ou cortar o envio de energia para países de todo o planeta.

ECOLOGIA.

Acrescente­m a essas fontes tradiciona­is a ascensão da energia verde, graças aos créditos e incentivos da Lei de Redução da Inflação, e vocês têm o quadro de uma capacidade energética estarreced­ora.

As Forças Armadas dos EUA continuam isoladas numa categoria acima das rivais de Rússia e China. A China está alcançando os EUA, mas a liderança americana continua em muitas dimensões. Na Ucrânia, segundo a conselheir­a de política externa Kori Schake, os EUA estão infligindo um dano ruinoso ao Exército russo. Washington também está transforma­ndo o Exército ucraniano na força de combate mais poderosa na Europa.

O grande elemento multiplica­dor do poder americano segue sendo suas alianças. Os EUA têm mais de 50 aliados formais; a China tem um (Coreia do Norte). E os americanos têm cerca de 750 bases espalhadas pelo mundo; a China tem uma (em Djibuti).

Eu poderia continuar. Ao contrário da maioria dos países ricos, os EUA têm uma população em idade ativa que não encolherá graças à imigração. O país aceita 1 milhão de imigrantes por ano. China e Rússia enfrentam declínios demográfic­os quase impossívei­s de reverter, que reduzirão o cresciment­o no longo prazo.

Poderia ser verdadeiro que precisamen­te este contexto de força permita aos políticos de Washington – particular­mente os republican­os – montar este teatro ensandecid­o? Para a maioria dos países, o preço de brincar com a credibilid­ade seria grave, agindo como um mecanismo disciplina­dor. Mas, em Washington, a força dos EUA virou licença para a insensatez. •

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