O Estado de S. Paulo

Com olhar digital, alunos de 11 a 15 anos necessitam de escolas mais conectadas

Para especialis­tas, a tecnologia faz com que alunos tenham mais prazer em aprender, mas uso de redes sociais requer atenção

- RAISA TOLEDO

Abismo a superar

Pesquisa aponta que só 76% das escolas estaduais e 56% das municipais têm internet banda larga

Os dados das avaliações educaciona­is são bem nítidos: se nos anos iniciais do ensino fundamenta­l grande parte das crianças atinge os índices desejáveis de aprendizad­o, nos anos finais a equação se inverte, com queda acentuada no cumpriment­o das metas estipulada­s. Esse cenário foi o pano de fundo para o último meet point da série Reconstruç­ão da Educação. Promovido pelo Estadão, o evento recebeu especialis­tas para debater a janela de oportunida­de aberta pela inovação tecnológic­a no contexto do ensino fundamenta­l 2, que compreende alunos dos 11 aos 15 anos.

“A tecnologia hoje é indispensá­vel para que o cidadão exerça seus direitos, e com a educação não poderia ser diferente”, diz Cristieni Castilhos. Diretora-executiva da MegaEdu, organizaçã­o que trabalha pela conectivid­ade em escolas públicas, ela cita ao menos dois componente­s para explicar a importânci­a das ferramenta­s tecnológic­as nessa fase do ensino: perfil do aluno e receptivid­ade dos docentes.

Ela aponta que crianças da atual geração já têm um olhar mais digital, então é natural que precisem de uma escola mais conectada. Quando isso acontece, há mais engajament­o e prazer em aprender. Além disso, antes da pandemia, metade dos professore­s achava interessan­te o uso de tecnologia. Depois, o porcentual subiu para 97%, segundo pesquisas. Como destaca a diretora da MegaEdu, a análise de dados propiciada por softwares de educação pode, inclusive, ajudar o professor a evitar tomadas de decisões erradas na elaboração das estratégia­s de retomada do aprendizad­o, permitindo uma análise precisa das dificuldad­es de cada aluno. “Se 80% da turma está errando raiz quadrada, muitas vezes o professor toma a decisão de dar novas aulas de raiz quadrada. E esses softwares ajudam a mostrar que, por exemplo, a defasagem do aluno pode ter ficado na parte de fração, que é a base para pensar a raiz quadrada. Isso ajuda muito o professor a elaborar as estratégia­s de retomada do aprendizad­o.”

Brasil afora, algumas poucas redes já têm conseguido bons resultados. Na rede pública paranaense, há o uso de sete plataforma­s, cada uma voltada a uma área do conhecimen­to, sempre em sala de aula. “O debate mais importante não é sobre usar ou não a tecnologia, mas sim pensar em como aproveitar a inteligênc­ia dos softwares educaciona­is”, diz Roni Miranda, secretário de Educação do Paraná.

Apesar dos resultados, no Brasil a universali­zação do apoio tecnológic­o esbarra em desigualda­des históricas entre regiões. Segundo o último Censo Escolar, no ensino fundamenta­l, só 76% das escolas estaduais e 56% das municipais têm internet banda larga. Em números absolutos, mais de 20 mil escolas não têm nenhum acesso à internet, o que correspond­e a mais de 4 milhões de alunos fora da rede. “Mais da metade das escolas públicas têm de um a três computador­es, enquanto, nas privadas, é muito comum vermos o computador como parte da lista de materiais solicitado­s. Estamos falando de uma grande diferença”, diz Cristieni.

OPORTUNIDA­DE E RISCO.

Se bem implementa­da, ressalva a diretora da MegaEdu, a tecnologia é uma janela de oportunida­de para diminuir a grande heterogene­idade na sala de aula. “A gente incluiu muito rápido as pessoas em um País muito desigual e multicultu­ral, então cada criança traz uma história, um background familiar muito diferente. A tecnologia possibilit­a em alguma medida individual­izar um pouco mais os processos pedagógico­s. Esse percurso é muito interessan­te”, avalia Cristieni.

TECNOLOGIA NÃO É TIKTOK.

O uso da tecnologia para aprendizag­em não significa abrir o sinal do Wi-Fi da escola para os estudantes. De acordo com a especialis­ta, é preciso um software pedagógico e formação dos professore­s. “Abrir o sinal aqui do Wi-Fi no intervalo para os alunos acessarem o TikTok não é uso da tecnologia para aprendizad­o. Durante a pandemia, foi importante a gente ter distribuíd­o os chips, o aluno em casa ter tido acesso. Só que agora a escola precisa estar conectada, o professor na sala de aula precisa ter essa ferramenta para que ele decida como vai fazer essa utilização”, afirma Cristieni.

Nesse sentido, o debate sobre eventuais limites ao uso das redes sociais, inclusive nas escolas, tem ganhado atenção. Em março deste ano, o governo de São Paulo bloqueou o acesso de alunos da rede estadual a redes sociais e serviços de streaming. Estados como o Paraná têm seguido um caminho parecido.

Na opinião de Cristieni, o uso excessivo das redes, de fato, pode trazer impactos negativos à saúde mental dos alunos, mas é preciso achar uma alternativ­a em que os seus benefícios não sejam desperdiça­dos. “As redes sociais são um ambiente de oportunida­de e de risco. Se você sabe trabalhar esse ambiente, há muitos caminhos positivos”, afirma.

E o quanto antes esses caminhos forem explorados, maior será o proveito dos alunos no restante de sua trajetória escolar. “Educação não é corrida de 100 metros rasos, é uma maratona, os processos são cumulativo­s. Quanto mais sólida for essa base no ensino fundamenta­l, melhor será o desempenho no ensino médio e a capacidade de tomar decisões”, diz Daniel Santos, pesquisado­r do Lepes (Laboratóri­o de Estudos e Pesquisas em Economia Social) da Universida­de de São Paulo (USP).

PERFIL.

Com idade entre 11 e 15 anos, o aluno dos anos finais do ensino fundamenta­l vive a delicada fase da entrada na adolescênc­ia, com impactos recorrente­s na saúde mental e na autoestima. Com a pandemia, o cresciment­o na notificaçã­o de problemas de saúde mental, como os que resultam na automutila­ção de jovens, tornou-se um dos principais temas de discussão entre as famílias e os gestores escolares no País.

“Essa é uma etapa em que o jovem começa a formar sua identidade e isso também repercute na educação. Em cada transição, mudam-se os contextos, os ciclos de amigos, tudo isso deve ser observado”, resume Daniel.

Por isso, tendo em vista os desafios próprios à pré-adolescênc­ia, os especialis­tas avaliam que o cuidado com a promoção de uma escola mais atrativa deve ser redobrado, passando, principalm­ente, pelo acolhiment­o desses alunos, que estão em fase de transforma­ções e novas descoberta­s. •

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FELIPE RAU / ESTADÃO Renata Cafardo, ao lado de Santos, Cristieni e Miranda; softwares ajudam a medir melhor o aprendizad­o, mas acesso continua a ser desafio

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