O Estado de S. Paulo

Baixa oferta de vagas impede entrada de PCDs no mercado de trabalho

Segundo o IBGE, apenas 28,3% das pessoas com deficiênci­a têm emprego; pesquisa obtida pelo ‘Estadão’ mostra avanços no Sudeste

- BEATRIZ BERGAMIN A. CAPIRAZI

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE) revelam que, dos 45 milhões de brasileiro­s que se reconhecem como uma pessoa com deficiênci­a, somente 28,3% estão empregados. No mês em que se comemora o Dia Mundial da Acessibili­dade (a data oficial é 18 de maio), especialis­tas ouvidos pelo Estadão destacam a necessidad­e de avanços nessa área.

Para a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiênci­a do Ministério dos Direitos Humanos, Anna Paula Feminella, os dados reforçam uma “cultura de invisibili­dade” implícita na sociedade. Ela defende que, para que a acessibili­dade funcione, é preciso que ela seja tratada como compromiss­o institucio­nal. “A sociedade enxerga a deficiênci­a como uma falha, mas a falha está na sociedade”, diz.

De acordo com Rosana Bastos, instrutora do programa PUC Inclusiva, “o mercado de trabalho é extremamen­te cruel com os trabalhado­res com deficiênci­a. As empresas adotam o discurso de que não há trabalhado­res disponívei­s, mas eles não têm oportunida­de. A maioria das (vagas) que existem são para cargos ‘chão de fábrica’, no máximo auxiliar administra­tivo”.

Para Natália Mônaco, coordenado­ra de diversidad­e do Instituto Olga Kos de Inclusão, a explicação para isso tem relação direta com o preconceit­o, mas também com a visão histórica do Brasil, que por muitos anos atrelou a pessoa com deficiênci­a a uma natureza incapacita­nte.

Coordenado­ra de Psicologia da Associação de Assistênci­a à Criança Deficiente (AACD), Cristina Masiero destaca que este cenário é consequênc­ia não só de uma visão capacitist­a, que enxerga a deficiênci­a como o próprio indivíduo, mas também das dificuldad­es de ampliar o acesso à educação formal para esta população. Segundo dados do IBGE, 67,6% dos brasileiro­s com deficiênci­a não possuem instrução ou têm ensino fundamenta­l incompleto.

Pesquisa da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) Nacional, Isocial e Catho apontou que 65% dos gestores têm resistênci­a em contratar PCDs. Diante desse cenário, os especialis­tas ouvidos pelo Estadão são unânimes em afirmar que é necessária uma mudança cultural para a sociedade avançar em pautas envolvendo diversidad­e.

Natália Mônaco, do Instituto Olga Kos, destaca que promover a independên­cia desse público é essencial para uma inclusão efetiva, o que, para ela, só é possível por meio de políticas de emprego amplas, que estejam ligadas a outras áreas, como saúde, educação, transporte e moradia.

REFLEXÃO. Cristina Masiero, da AACD, afirma que a primeira ação das empresas deve ser uma reflexão sobre o seu quadro de funcionári­os. “Hoje, o RH olha primeiro para a deficiênci­a. Não dão cargos mais altos. A visão anticapaci­tista é não excluir a pessoa, conhecêla, ver como ela se comporta e gerar condições para que ela ocupe esse cargo.”

Cristina ainda destaca que isso não significa usar uma “régua mais baixa”, mas adotar critérios que correspond­am à capacidade desse profission­al. “Inclusão dá trabalho, mas beneficia a todos, inclusive a economia. Você vai ter mais pessoas consumindo, menos pessoas dependendo de benefícios governamen­tais. Toda a máquina muda para melhor.”

MUDANÇAS. Estudo da Infojobs ao qual o Estadão teve acesso com exclusivid­ade demonstra que as empresas estão se mobilizand­o para criar vagas para PCDs. Segundo o trabalho, as áreas com mais oportunida­des para pessoas com deficiênci­a são comercial (34,5%), administra­tiva (13,4%), logística (10,8%), industrial (6,9%) e alimentaçã­o (6,4%).

São Paulo é o Estado que mais oferece vagas para PCDs, sendo responsáve­l por 49,1% dos 10.834 postos abertos em abril. Em seguida aparecem Rio de Janeiro (10,2% das vagas) e Minas Gerais (8,5%).

Embora os dados demonstrem um avanço na empregabil­idade dos PCDs no Sudeste, a CEO do Infojobs, Ana Paula Prado, destaca que outros Estados precisam avançar e que a tecnologia pode ser uma aliada neste sentido.

O diretor de trabalho moderno e segurança da Microsoft, Ricardo Wagner, é da mesma opinião. Para ele, a tecnologia é um “fator-chave” para aumentar a inclusão, vencendo barreiras geográfica­s e facilitand­o o dia a dia das pessoas. Ele também destaca que, muitas vezes, a inclusão é vista como caridade ou simplesmen­te uma legislação a ser cumprida pelas empresas. No entanto, o especialis­ta defende que esta discussão deveria ser um aspecto de negócio, já que, ao deixar de contratar o PCD ou deixar de vê-lo como consumidor, a empresa está não apenas excluindo uma parcela da população em seu quadro de funcionári­os, mas também perdendo mercado e potenciais consumidor­es. •

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CLARICE CASTRO/MDHC Secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiênci­a, Anna Paula aponta uma ‘cultura de invisibili­dade’

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