O Estado de S. Paulo

Controle de quê?

- Alice Ferraz alice@fhits.com.br É ESPECIALIS­TA EM MARKETING DE INFLUÊNCIA E ESCRITORA, AUTORA DE ‘MODA À BRASILEIRA’

“Você quer tomar algo antes e entrar na sala de cirurgia dormindo ou quer entrar acordada mesmo?” Abrir mão do controle antes ou depois? Essa era a real pergunta do anestesist­a que gentilment­e me oferecia opções. Mas qual controle eu tinha? Três semanas antes, em pleno “comando”, cumpri a agenda de exames de rotina marcados para confirmar que tudo estava ótimo e descobrir a cada novo pedido médico que não estava.

Decidida a não dar espaço para mudanças de rota na vida que construí, segui dia a dia planejando milimetric­amente meu tempo. Acordei mais cedo, encontrei tempo para fazer exercícios, cuidar dos cabelos, fui ao dentista que vinha adiando. Também andei mais a pé, marquei mais reuniões e prestei muito mais atenção ao que e como falava com cada pessoa que cruzava meu caminho.

Cortei algumas relações e reativei outras. Estive atenta. Abri mais vezes a janela do carro que me blindava e assim senti os cheiros das ruas e fiz os caminhos mais bonitos que encontrei para chegar às reuniões. Comprei presentes para as minhas irmãs, me arrumei mais para o Dia das Mães e abracei e beijei o quanto pude meu irmão mais velho que não via havia mais de um ano.

A data da cirurgia marcada tinha transforma­do meu olhar, minhas prioridade­s, mas agora, no quarto do hospital, com o corpo nu e coberto pelo levíssimo tecido da camisola da operação, tinha de finalmente me entregar, entrar na sala e deixar que entrassem no meu corpo.

Resolvi ir acordada, “controland­o” meu futuro até onde podia, olhei por cima da maca examinando cada canto da sala cheia de luzes frias que ajudariam a me ver por dentro.

E o que achariam? Algum órgão doente pelo fruto de mágoas que sem ter consciênci­a infligi ao meu próprio corpo? Sentia-me naquele momento, sem dúvida, a culpada. Fui invadida pela consciênci­a de ser totalmente responsáve­l pelo corpo que fiz de refém. Na tríade corpo, mente e alma, a mente comanda os dois – ou, no mínimo, pode atrapalhar bastante. A mente inquieta, digitaliza­da e surda aos chamados do corpo e da alma. Assim, em estado de alerta, apaguei. •

 ?? JULIANA AZEVEDO ??
JULIANA AZEVEDO
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil