Manias infantis podem esconder tédio ou medo
Quando a criança tem um comportamento disfuncional, há algo mais profundo em jogo. Descobrir o que é fundamental
Como ajudar minha filha de 10 anos a parar de colocar objetos na boca? Silvia Hadas
São Paulo
Responde Ana Flavia Fernandes, psicóloga infantil
‘Aprimeira coisa que precisamos entender a respeito de um comportamento é qual a função dele. E aqui podem ser diversas coisas, inclusive verme. Por isso é preciso investigar e observar a criança para entender o que está acontecendo. Qual é o benefício desse comportamento? É um alívio imediato? É porque tem algo doendo? É um comportamento compulsivo? É uma função regulatória? A criança usa isso quando está ansiosa, preocupada, com medo, entediada?
Se entendermos essa função, conseguimos ajudar a criança a substituir esse hábito por um comportamento mais funcional, que não traga nenhum tipo de prejuízo para ela. Além disso, a partir dessa necessidade, conseguimos entender também qual o caminho seguir de conexão com os nossos filhos.
Então uma criança de 10 anos que leva objetos à boca, por exemplo. Nessa idade, já é esperado que ela tenha um autocontrole melhor, ou seja, ela deveria saber que levar coisas à boca pode causar doenças. Mas por que ela continua fazendo? Provavelmente porque tem algo reforçando a continuidade e, talvez, porque ela não tenha outra forma de lidar com o que está lidando quando coloca as coisas na boca.
Se for ansiedade, por exemplo, outros fatores estão envolvidos. Então a gente teria de trabalhar a questão dos pensamentos, dos comportamentos, algo mais voltado para a psicoterapia. Agora, se for tédio, em vez de brigar, podemos conversar com a criança. Passamos a ser um tradutor emocional dos nossos filhos, ajudando a verbalizar esse comportamento que ela está usando para transmitir algo. Podemos dizer: “Filha, percebo que quando você está entediada você coloca algo na boca, já reparou? O que você acha de na próxima vez que você se sentir entediada você vir conversar com a mamãe?”.
Dessa maneira, a gente dá voz aos sentimentos e às necessidades. Ao contrário do que muitos pensam, gritar “tira isso da boca” reforça o comportamento, porque eu dou muita importância para aquilo e a criança percebe que consegue a atenção que ela precisa. Então ela vai repetir como uma maneira de se conectar com a gente, claro que não intencionalmente.
PACIÊNCIA E COMPREENSÃO. É importante lembrar que o processo exige paciência. A mudança não acontece do dia para a noite. Ainda são crianças e, portanto, imaturas – precisam de uma pessoa que repita diversas vezes o que é certo. E todas essas vezes devem ser iguais. Constância, coerência e consistência são o segredo.
Muitos pais falam sobre eliminar um comportamento, e a gente até pode eliminar, mas não podemos eliminar a sensação, o sentimento que aquilo causa. Então precisamos ajudar as crianças a lidar com o medo quando ele aparece, ou regular a tristeza, enfrentar a raiva. Senão vamos só ficar substituindo comportamentos.
Eu observo pais que tratam os filhos de forma muito infantilizada, e não falam para eles algumas coisas porque acham que não vão entender. E, com isso, não ensinam inteligência emocional, habilidades socioemocionais, que são aprendidas na interação social. Outra vertente de pais falam tudo e tratam os filhos como se fossem miniadultos. Dosar isso é muito delicado. Não é nem tratar a criança como miniadulto, mas também não tratar como uma pessoa que não entende nada. Basta adequar a linguagem para a fase de desenvolvimento.
Eu costumo dizer que a criança sempre vai dar o caminho a seguir. Se ela te perguntou x, responda x. Não responda x, y e z. Se ela quiser saber mais, ela vai perguntar. E se você achar que cabe naquele contexto mais uma informação, coloque de um jeito adequado para a compreensão dela.
O cérebro infantil passa por várias fases de desenvolvimento. Por isso, não podemos pedir autocontrole para a criança, porque o cérebro dela é imaturo. De 0 a 2 anos, ela é um bebê. A partir dos 2 anos, ela já anda, corre, fala. Aos 7 anos, há outra mudança significativa. Ela fica mais perceptiva em relação ao que é real, o que é fantasioso, então passa a não acreditar mais em Papai Noel, coelhinho da Páscoa. O cérebro dela vai ficando cada vez mais maduro. Mas o desenvolvimento só é completo por volta de 25 anos.
Ao longo do desenvolvimento dessa pessoa, é preciso dar a ela um repertório de amadurecimento, explicando quando certo tipo de conduta é inadequada. É por isso que tantas crianças levam comportamentos disfuncionais para a vida adulta. •