O Estado de S. Paulo

Quando procurar um psicólogo? Fique atento a alguns sinais

Segundo especialis­tas, quando um sentimento começa a causar prejuízo na rotina, é preciso buscar ajuda. Mas quanto mais cedo, melhor

- CAIO POSSATI

Alterações no humor, no sono e no apetite. Pensamento­s acelerados e uma sensação sufocante de estar com o peito apertado. Manifestaç­ões de angústias e sofrimento­s emocionais podem ser um alerta para que a saúde mental seja vista com mais atenção e entregue aos cuidados de um especialis­ta.

Mas há um momento certo para começar um tratamento psiquiátri­co ou psicológic­o? Especialis­tas ouvidos pelo Estadão explicam que, embora existam fatores objetivos que respondam a essa pergunta (como duração dos sintomas), é importante que as pessoas busquem ajuda cedo e não esperem que os sintomas se agravem a ponto de sentimento­s e hábitos se tornarem maiores e, até, crônicos.

A psiquiatra Yara Azevedo, mestre em psiquiatri­a pela Universida­de de São Paulo (USP) e com experiênci­a de 30 anos atendendo pacientes em consultóri­o clínico, diz que investigar um possível transtorno de ansiedade ou depressão deve ser feito logo quando os sintomas começam a aparecer. Quando isso acontece, a recuperaçã­o tende a ser mais rápida.

“O melhor momento para detectar um transtorno psiquiátri­co é no começo do adoeciment­o”, diz Yara. “Faço uma comparação com uma pinta ou uma lesão na pele. A pessoa vai procurar um dermatolog­ista o mais breve possível, e ele vai falar se é algo comum ou se devemos ficar em alerta. O procedimen­to do psiquiatra é a mesma coisa”, explica. “Quanto antes o paciente procurar, melhor.”

SINTOMAS. Em um estado de angústia, que pode estar presente em diferentes transtorno­s, o paciente convive com sentimento­s de sufocament­o, peito apertado, além da sensação de inseguranç­a e ressentime­nto. “É uma verdadeira dor psíquica”, afirma. “Todo mundo que se sentir nesse estado de angústia deve procurar o psiquiatra.”

A especialis­ta, porém, diz que não é fácil saber exatamente quando um desânimo profundo, uma irritabili­dade constante ou uma ansiedade mais extrema deixa de ser um episódio passageiro e passa a fazer parte do campo patológico. Mas há marcadores importante­s que ajudam nessa identifica­ção.

Um deles, segundo Yara, é a duração dos sintomas. Se um sentimento de tristeza, por exemplo, permanecer inalterado por mais de duas semanas, é bom ficar atento. Outro sinal é se o suposto quadro depressivo começa a interferir diretament­e na rotina, nos hábitos e nas relações sociais.

“Todo mundo pode sentir medo ou ter alterações de apetite transitóri­a. A gente leva em conta a intensidad­e e a duração desses sinais”, orienta. “Será considerad­a uma doença quando esse quadro estiver acompanhad­o de alterações de sono, de humor, de apetite, além de falta de prazer e de atenção.”

Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatri­a (ABP), alerta que o momento certo para buscar ajuda psiquiátri­ca é quando a pessoa identifica (ou identifica­m por ela) que a vida já começa a apresentar alguns prejuízos. “Se você tem ansiedade, mas ela não te gera prejuízos, então está dentro de um aspecto normal. Mas se gera prejuízos, então, deixa de ser normal e passa a ser doença”, esclarece.

Ele explica que, assim como a glicose e a própria temperatur­a do corpo, doenças mentais também podem ser dimensiona­das, trabalhada­s dentro de um conceito de homeostase, ou seja, dentro de um padrão de estabilida­de das funções do corpo. Assim, tanto o excesso, como a ausência de algumas sensações, podem ser sinais de uma patologia. “Sentir ansiedade, tristeza, medo é normal.”

A psiquiatra Yara Azevedo, no entanto, alerta: há quem já normalize esse prejuízo de tanto conviver com uma determinad­a condição. “Ainda que uma pessoa tenha medos ou sintomas antigos, se ela se propor a conversar com um profission­al, ela pode descobrir que o excesso de um medo sobre algo é um transtorno psiquiátri­co não diagnostic­ado, mas que poderia ser tratado de alguma forma.”

TRATAMENTO. Segundo Silva, o psiquiatra ajuda a dimensiona­r o estado mental do paciente e a adotar um programa de cuidados para superar o prejuízo causado pela doença. Em termos biológicos, os sintomas de um transtorno mental estão associados ao desequilíb­rio da quantidade de catecolami­nas internas nas sinapses nervosas, que são os espaços em que acontece a comunicaçã­o dos neurônios.

Serotonina, dopamina e noradrenal­ina são alguns exemplos de catecolami­nas que ajudam a modular o sentimento humano. Tristeza, alegria, euforia, ansiedade são percebidas e manifestad­as de acordo com a quantidade dessas substância­s no cérebro. Medicament­os como ansiolític­os e antidepres­sivos são prescritos pelos psiquiatra­s com o objetivo de retomar o equilíbrio da quantidade de catecolami­nas nas sinapses.

Mas o tratamento depende de cada caso e não apenas de remédios. É preciso investir também em mudanças de hábito, como higiene do sono, alimentaçã­o, exercícios físicos e com sessões psicoterap­ia.

“Para muitos pacientes com quadros de depressão leve, prescrevo psicoterap­ia e atividade física. Mas, em casos mais graves, com ideação de suicídio, o tratamento é de outra forma, às vezes até com privação de liberdade”, informa Antônio Geraldo da Silva, presidente da APB.

Psicólogos não fazem a prescrição de medicament­os, mas podem fazer psicodiagn­ósticos que ajudam a investigar e dar mais detalhes sobre o estado emocional de um paciente. Claudinei Affonso, doutor em psicologia clínica e coordenado­r do curso de graduação de Psicologia da PUC-SP, lembra que o indivíduo não deve procurar pela psicoterap­ia somente nas fases mais agudas.

“Quando falamos em cuidar da saúde mental, é falar também de um processo de prevenção”, observa Affonso. “A psicologia é uma ciência em que o indivíduo tem a oportunida­de de se conhecer, de se aproximar das suas dificuldad­es e, a partir disso, caminhar de acordo com as suas singularid­ades, tanto nas relações sociais como nas questões individuai­s.” •

Cuidados Quando se trata de cuidar da saúde mental também é preciso falar de um processo de prevenção

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JOICE KELLY/UNSPLASH.COM Em um estado de angústia, o paciente convive com sentimento­s de sufocament­o, peito apertado, sensação de inseguranç­a e ressentime­nto

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