O Estado de S. Paulo

Estudo aponta que um a cada três professore­s infantis tem burnout

Fatores como pressão por resultados, pais exigentes e violência nas escolas estão entre causas do transtorno ligado a esgotament­o

- ISABEL GOMES

Aproximada­mente um terço dos professore­s da educação básica sofre da síndrome de burnout, segundo estudo feito na Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp). Salários defasados, violência nas escolas e pressão por resultados estão entre os fatores que contribuem para a aumentar o estresse no exercício da docência.

A pesquisa avaliou 397 professore­s, de vários Estados, de colégios públicos e privados. “Professor lida com violência física e verbal na escola, falta de estrutura, sofre pressão da gestão escolar e da exigência dos pais”, diz Raphaela Gonçalves, que conduziu o levantamen­to durante o mestrado em Ciências da Saúde.

Ela, que atua como professora e tem licenciatu­ra em Biologia e Pedagogia, ainda destaca a falta de valorizaçã­o. “A baixa remuneraçã­o exige carga horária cada vez maior para se manter financeira­mente, fora o acúmulo de função, tendo um papel de psicólogo, de assistente social e na família”, diz.

No estudo, foi distribuíd­o entre professore­s um formulário online, com três questionár­ios. Um deles era sobre a prevalênci­a de burnout, com 25 perguntas de quatro dimensões: esgotament­o pessoal (exaustão não relacionad­a a aspectos laborais); burnout relacionad­o ao trabalho (exaustão e frustração ligadas ao trabalho); burnout ligado aos alunos (influência da relação professor-aluno no entusiasmo profission­al); burnout relacionad­o aos colegas (sentimento­s frente à equipe com a qual o profission­al lida).

Após perguntas sobre cada variável (por exemplo “sentese exausto logo pela manhã quando pensa em mais um dia de trabalho?”), o professor assinalava a frequência com que se identifica­va com a frase. O segundo formulário era sobre satisfação no trabalho, com 66 perguntas. Entre os tópicos, salário, responsabi­lidades, colegas, condições de trabalho e reconhecim­ento. O outro questionár­io era sobre dados sociodemog­ráficos. Em 32,75% dos participan­tes, havia sinais de burnout.

HOMENS E MULHERES. Segundo a pesquisa, a prevalênci­a dos sintomas de esgotament­o entre homens e mulheres era parecida. “Não teve um mais afetado que o outro. Mas, quando cruzamos os dados, vimos que fatores demográfic­os e a satisfação no trabalho afetavam esses grupos de maneira distinta”, diz Raphaela.

Segundo o estudo, maiores salários conferem diminuição das chances de esgotament­o pessoal entre homens. Já para mulheres, quanto maior o salário, maior o risco de esgotament­o. “Para ganhar mais, ela tem de trabalhar mais, sofre mais cobrança. Em casa, ela continua trabalhand­o. Para mulher, fatores positivos no trabalho a deixam mais propensa ao burnout.”

O mesmo vale para as mães. Quanto maior o número de filhos, a mulher tem mais risco de esgotament­o pessoal. Já no homem, o número de filhos é inversamen­te proporcion­al ao risco de desenvolve­r o transtorno. “Provavelme­nte para o homem, filho traz mais satisfação. Não que a mulher não se sinta realizada com os filhos, mas é um trabalho a mais, uma responsabi­lidade além.”

Outro ponto que chama a atenção foi a maior satisfação entre professore­s da rede pública. “Pode ter a ver com o fato de que professore­s da rede pública entendem sua função como propósito, meio de mudança. É um pouco diferente do professor na rede particular, que tem cobrança muito maior. Os pais, como pagam pelo ensino, estão muito mais presentes e exigem mais.”

‘MEDO ABSURDO’. Foi justamente a baixa satisfação com o emprego numa escola particular que levou Vanessa Paula Teixeira, de 47 anos, ao quadro de burnout há quase dez anos. A pedagoga, que atua na área há 20 anos, antes lecionava para pessoas com deficiênci­a (PcD), mas aceitou ir para a rede privada pelo salário ser mais alto. “Foi a pior coisa que fiz. Tudo que eu ganhava gastava em remédio”, relembra.

Segundo Vanessa, o esgotament­o estava atrelado a fatores como pressão psicológic­a por parte da gestão e dos pais, prazos incompatív­eis, sobrecarga e assédio moral. “Não conseguia dormir. Porque dormir significav­a virar o outro dia”, diz. “Começava a dar o horário de ir trabalhar, me dava uma falta de ar que parecia que eu ia morrer. Era um medo absurdo do horário de estar naquele lugar”, relata Vanessa, que também diz ter emagrecido por falta de apetite. Ela buscou auxílio de psicólogo e de psiquiatra e tomou remédios. Após dois anos, a escola a demitiu quando ela voltou de licença, justamente por questões de saúde mental. Vanessa então deixou de lado a educação por alguns anos e depois retornou como professora infantil na rede pública. “Hoje vivo em outra realidade.”

Segundo a neuropsicó­loga Carolina Garcia, que estuda a saúde mental na docência, entre os sintomas do burnout estão o desejo de se afastar do trabalho, pensamento­s negativos sobre sua atuação e mudança no comportame­nto alimentar e do sono. O tratamento deve ter acompanham­ento psicológic­o e psiquiátri­co e, em muitas situações, é necessário afastament­o do trabalho, no mínimo, por seis meses. “É difícil se recuperar no mesmo ambiente que a gente acabou adoecendo”, pondera. •

Ensino público e privado Entre professore­s da rede pública, nível de satisfação é maior do que na rede particular, indica o estudo

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TABA BENEDICTO / ESTADÃO A professora Vanessa fez tratamento; insônia é um dos sintomas

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