O Estado de S. Paulo

Muito otimismo e pouca ambição

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IFI estima receitas bem mais modestas que as projetadas pelo governo, o que pode compromete­r a credibilid­ade de um arcabouço fiscal que não mexe nas despesas

Oarcabouço fiscal ainda precisa do aval do Senado, mas a aprovação da proposta pela Câmara foi suficiente para melhorar as expectativ­as sobre a economia. Até o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reconheceu que as taxas de juros longas já caíram quase 2% nas últimas semanas e admitiu que o risco de descontrol­e da inflação foi descartado. As incertezas em relação ao efetivo funcioname­nto do dispositiv­o, no entanto, permanecem presentes, como indicou a mais recente análise da Instituiçã­o Fiscal Independen­te (IFI) do Senado.

Desde a apresentaç­ão do arcabouço pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou claro que o governo contava com um incremento nas receitas para reverter o déficit primário. No lugar de estimativa­s de recuperaçã­o da arrecadaçã­o que alcançam a marca de R$ 135,2 bilhões neste ano e de R$ 645 bilhões até 2025, como prevê o ministro, a IFI traz projeções bem mais modestas sobre as medidas que o Executivo tem à mão para voltar a registrar superávits.

Divulgada logo após a aprovação do arcabouço pela Câmara, a edição de maio do Relatório de Acompanham­ento Fiscal (RAF) da IFI estima que o governo poderá contar com R$ 63,4 bilhões extras em 2023 e cerca de R$ 305 bilhões até o fim de 2025 – menos da metade do que espera arrecadar, portanto.

Uma das principais diferenças entre as previsões da IFI e as do governo diz respeito aos recursos oriundos de decisões de tribunais superiores sobre questões tributária­s. Elas proíbem – ou podem proibir – as empresas de usarem benefícios fiscais oriundos de um imposto estadual, o ICMS, para reduzir a base de incidência de tributos federais como o Imposto de Renda e a CSLL e obter créditos de PIS e Cofins.

Não há pessimismo da parte da instituiçã­o, mas uma prudência que o governo faria muito bem se incorporas­se às suas projeções. No primeiro caso, ainda pendente de uma decisão final, a IFI considera que o impacto é “bastante incerto e de difícil previsão”, uma vez que as disputas podem se estender por anos; no segundo, em que houve sentença favorável ao governo, o efeito é positivo, mas bem menor do que a Fazenda espera. Isso explica por que, em vez do déficit zero que o governo prevê em 2024, a IFI estima um déficit primário de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Para além da análise dos números, a diretora da instituiçã­o, Vilma da Conceição Pinto, fez uma avaliação qualitativ­a do arcabouço. Segundo ela, o dispositiv­o é mais flexível que o teto de gastos, mas também mais complexo, o que aumenta o risco de descumprim­ento da norma. Crítica semelhante foi feita por Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset e ex-secretário do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, em entrevista ao Estadão. Para ele, a reação do mercado seria ainda melhor se o limite de despesas não tivesse sido afrouxado já no primeiro ano de sua vigência.

Ainda há chances de que o Senado faça ajustes ao texto aprovado pela Câmara para tornar mais claras as regras do arcabouço, mas alterações estruturai­s, que tornem o mecanismo mais rígido, são improvávei­s. É uma pena, pois uma política fiscal mais austera não é um fim em si ou uma obsessão de economista­s ortodoxos.

De forma imediata, o arcabouço contribuiu para criar um ambiente mais benigno ao controle da inflação e à redução dos juros, mas há dúvidas sobre se ele conseguirá garantir a sustentabi­lidade da dívida pública no médio e longo prazos. Mas se almejasse mais do que uma recuperaçã­o pouco realista das receitas e focasse também na redução das despesas, o dispositiv­o teria mais credibilid­ade e, de forma indireta, favoreceri­a a tramitação de uma reforma tributária, próximo item da lista de prioridade­s de Haddad.

O ministro, assim como todos aqueles que acompanham o tema, defende uma reforma tributária que conduza a um sistema mais simples, justo e progressiv­o. A maior ameaça à aprovação da proposta, no entanto, é o receio de que as discussões resultem em um aumento da carga, algo que um arcabouço mais espartano e ambicioso teria sido capaz de eliminar. •

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