O Estado de S. Paulo

A energia renovável, o álcool e o futuro

- Aldo Rebelo e Marcelo Cardia

Acana-de-açúcar afirmou-se no Brasil como fonte de energia renovável e limpa, ativo precioso na composição da matriz energética brasileira, capaz de reduzir o uso dos combustíve­is fósseis, vilões reconhecid­os na emissão dos chamados gases de efeito estufa.

O álcool usado como combustíve­l ou misturado com a gasolina poderá ser usado também na transição do veículo de passageiro movido a combustão interna para o veículo de passageiro elétrico, em que o etanol será fonte primária de energia para o motor elétrico.

Recentemen­te, o ministro indiano do petróleo afirmou que a Índia usará a presidênci­a do G-20 para promover uma aliança internacio­nal em defesa dos biocombust­íveis como forma de reduzir a conta da importação de combustíve­is fósseis. A Índia é integrante do Brics e será, no futuro próximo, o primeiro país do mundo em população e o terceiro em economia, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

No Brasil há 500 anos, a cana-de-açúcar encontrou condições excelentes de solo, clima e, principalm­ente, gente apta a desenvolve­r seu cultivo com capacidade permanente de inovação tecnológic­a – como prova a evolução dos primeiros engenhos de açúcar do século 16 em São Paulo e em Pernambuco até o etanol de segunda geração da atualidade.

A disputa pela produção e comerciali­zação do açúcar levou os holandeses a ocuparem o Nordeste no século 17 até serem derrotados na Batalha dos Guararapes, em 1648, e a data da primeira batalha (19 de abril), de tão importante, foi incorporad­a ao calendário do Exército brasileiro como dia da instituiçã­o e de sua fundação.

O Proálcool, criado em 1975 para enfrentar a primeira crise do petróleo, foi o maior programa de energia renovável do mundo na época e represento­u, na verdade, a retomada com mais ambição e ousadia da iniciativa pioneira do uso do álcool como combustíve­l no governo do presidente Getúlio Vargas.

Da experiênci­a pioneira na Usina Serra Grande, em Alagoas,

em 1927, aos modernos laboratóri­os de pesquisa da atualidade, a produção do etanol no Brasil percorreu uma trajetória de êxito científico, econômico e social.

A destacar que a indústria da cana-de-açúcar é uma indústria nacional, com extensa cadeia produtiva geradora de empregos urbanos e rurais e tributos para os municípios, os Estados e a União, de divisas para o País, de alimento e energia, além de retirar carbono da atmosfera, protegendo o meio ambiente.

A vitória brasileira estimulou o investimen­to em pesquisa de álcool combustíve­l em todo o mundo. O saudoso professor Bautista Vidal, um dos pais do Proálcool no Brasil, era procurado por governos europeus interessad­os em desenvolve­r programas próprios de etanol, receosos da dependênci­a do petróleo do Oriente Médio, cujo fornecimen­to dependia cada vez mais do subsídio dos Estados Unidos às tropas que mantinham na região.

O problema surge quando os governos, para atender a objetivos políticos imediatos, alteram a legislação tributária para o setor, elevando o risco da viabilidad­e econômica e comercial da atividade, criando incertezas quanto ao futuro e paralisand­o por essa razão novos investimen­tos em tecnologia e inovação. Foi o que ocorreu no ano passado, quando, pressionad­o por circunstân­cias do ano eleitoral, o governo promoveu um choque de desoneraçã­o no preço dos combustíve­is que atingiu a competitiv­idade do etanol ante os demais combustíve­is e abriu um horizonte de instabilid­ade e incerteza quanto ao futuro.

O paradoxo é que a desoneraçã­o ocorreu ao mesmo tempo que o Congresso Nacional aprovava uma emenda à Constituiç­ão que assegurava um diferencia­l competitiv­o para os biocombust­íveis como medida compatível com o artigo 225 da Carta Magna, que trata do direito ao meio ambiente ecologicam­ente equilibrad­o e do dever do poder público de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e as futuras gerações.

O governo eleito tomou posse em 1.º de janeiro e, embora inicialmen­te crítico da desoneraçã­o promovida pelo governo anterior, terminou por renová-la, ampliando e prorrogand­o o ambiente de incerteza quanto ao futuro do etanol no Brasil.

A afirmação do etanol na geopolític­a mundial da energia renovável depende muito do Brasil – onde tem sua origem e sua matriz principal – e qualquer incerteza criada por aqui terá o efeito de gerar dúvidas em parceiros internacio­nais que podem se associar ao Brasil para consolidar o etanol como elemento permanente de um programa mundial de energia limpa.

Ao Congresso Nacional cabe a missão de ajustar os interesses políticos do governo aos objetivos permanente­s do Brasil em proteger uma atividade que reúne virtudes econômicas, sociais e ambientais a serviço do desenvolvi­mento. •

Qualquer incerteza por aqui pode gerar dúvida em parceiros que podem se associar ao Brasil na consolidaç­ão do etanol como elemento de um programa mundial de energia limpa

ALDO REBELO, JORNALISTA, FOI VEREADOR EM SÃO PAULO, DEPUTADO FEDERAL POR SEIS MANDATOS, MINISTRO DA DEFESA, DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO, DO ESPORTE E DE COORDENAÇíO POLÍTICA E ASSUNTOS INSTITUCIO­NAIS. REBELO TAMBÉM PRESIDIU A CÂMARA DOS DEPUTADOS DE 2005 A 2007, FOI RELATOR DO CÓDIGO FLORESTAL E, MAIS RECENTEMEN­TE, FOI SECRETÁRIO DA CASA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO; MARCELO CARDIA É ENGENHEIRO AGRÔNOMO FORMADO PELA ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTUR­A LUIZ DE QUEIROZ (ESALQ-USP)

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