O Estado de S. Paulo

Virada Cultural sitiada

É triste que um evento que integra os cidadãos à cidade só possa ocorrer sob forte esquema de segurança

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“OViaduto do Chá, a Praça Ramos de Azevedo e as escadarias da Líbero Badaró estavam cercados com tapumes, isolando o Anhangabaú do entorno, como se fosse uma fatia separada da cidade”, informou o Estadão a respeito da área da capital paulista que concentra a maior parte dos shows da Virada Cultural, cuja edição de 2023 ocorreu no fim de semana passado. “Para evitar arrastões, a festa foi feita em cercado”, resumiu um cidadão ouvido pela reportagem.

Eis um enorme contrassen­so. Desde sua primeira edição, em 2005, o espírito que anima a Virada Cultural é a ocupação da cidade pelos cidadãos – com alegria, paz e, principalm­ente, integração entre as pessoas e entre estas e a sua metrópole. Mas, ao que parece, isso só se tornou possível em São Paulo sob um fortíssimo esquema de segurança, que transformo­u as áreas da cidade onde ocorreram diversas manifestaç­ões culturais em perímetros urbanos altamente militariza­dos.

A Polícia Militar (PM) informou que mobilizou 1,4 mil policiais para garantir a segurança dos cerca de 4 milhões de frequentad­ores da Virada Cultural deste ano, entre paulistano­s e visitantes. O esquema contou ainda com 720 agentes da Guarda Civil Metropolit­ana (contingent­e 33% maior em relação a 2022), além de cinco helicópter­os e drones. Bastou. De fato, não houve registro de crimes graves, apenas alguns incidentes pontuais.

Ninguém de bom senso haverá de discordar que esse desfecho, no que concerne exclusivam­ente à segurança pública, foi muito melhor do que o da edição da Virada Cultural do ano passado, quando a cidade pareceu estar sendo abatida por um apocalipse zumbi, marcado por dezenas de arrastões, milhares de pessoas roubadas ou furtadas e seis vítimas esfaqueada­s. Prefeitura e governo do Estado, no entanto, precisam encontrar um ponto de equilíbrio entre a frouxidão de 2022 e os rigores de 2023.

A preocupaçã­o com a segurança foi tanta que esta foi a edição em que a Virada Cultural não “virou”. Apenas o palco montado no Vale do Anhangabaú, o principal, teve atrações durante a madrugada de sábado para domingo, e mesmo assim com baixíssima presença de público – talvez pelo trauma causado pelo inferno que foi a edição do ano passado.

Uma Virada Cultural cercada por grades e tapumes, com rígido controle de acesso do público às atrações, é em tudo contrária ao propósito fundamenta­l do evento de convidar os cidadãos a ocupar o espaço público como a grande força vital da metrópole que são, sem barreiras ou amarras de quaisquer tipos, sejam físicas ou psicológic­as, como o medo. É uma tragédia que, para que ninguém seja roubado ou saia ferido, o espaço público precise ser sitiado.

A Virada Cultural não pode servir para transforma­r áreas normalment­e inseguras em ilhas de paz por um fim de semana. Como, por exemplo, os Dias Nacionais de Vacinação, o evento deve servir como um convite para uma festa no calendário público que celebra – e relembra – práticas que devem ser estimulada­s o ano inteiro, como a ocupação do espaço público para além de sua serventia como passagem. •

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