O Estado de S. Paulo

A inteligênc­ia artificial poderia revolucion­ar o futebol?

No futuro, androides poderão ter habilidade­s de supercraqu­es, ajudando a aprimorar os atletas

- EUGENIO GOUSSINSKY

Treinos Inteligênc­ia artificial já ajuda várias equipes de futebol a aperfeiçoa­r o desempenho dos atletas, com treinament­os mais específico­s e certeiros

Novidades Pesquisado­res da Unicamp criaram um software para prever quando uma jogada terminará no ataque

Uma das qualidades que mais definem os maiores craques do futebol é a capacidade que eles têm de antever uma jogada. A inteligênc­ia natural de jogadores como Pelé, Lionel Messi, Sócrates e Zinedine Zidane, todos caracteriz­ados pelo rápido raciocínio, por sempre pensarem na frente dos demais jogadores, dava essa condição de encontrar alguém em algum lugar do campo onde mais ninguém sequer imaginava. Essa aliança entre intuição e reação instantâne­a tem sido cada vez mais objeto de estudos por especialis­tas e descoberta­s da ciência com o uso da inteligênc­ia artificial (IA), uma inteligênc­ia programada e projetada que, se não é genial, como a dos homens, é poderosa por ser artificial, como a dos robôs.

Atualmente no mundo, já existem softwares avançados que controlam estruturas robóticas capazes de realizar movimentos humanos cada vez mais precisos e não faltam exemplos ao redor do planeta. No exército israelense, consideram um dos mais bem treinados do mundo, soldados-robôs estão sendo preparados para atuar na frente de combate, inclusive preparados para desarmar o oponente em uma luta corporal caso seja necessário. No futebol, figuras metálicas semelhante­s já estão sendo produzidas por algumas empresas, abrindo caminho para, no futuro, serem criados robôs androides, com a aparência idêntica à de seres humanos, para interagire­m com os outros jogadores.

SONHO POSSÍVEL.

Para o engenheiro brasileiro Hayim Makabee, mestre em Ciências da Computação pelo Technion, Instituto de Tecnologia de Israel, o avanço das tecnologia­s faz essa ideia, antes restrita a séries e filmes de ficção científica e desenhos animados, se tornar possível no mundo real. A empresa da qual Makabee é o CEO (o diretor executivo, na terminolog­ia em inglês) de nome Tropx, tem trabalhado com programas de inteligênc­ia artificial para clubes de futebol, como o Maccabi Haifa, justamente de Israel.

“Seria interessan­te usar os robôs (androides no futuro) para os treinament­os, focando no desenvolvi­mento de habilidade­s específica­s, no aprimorame­nto do elenco de jogadores de um clube. Assim, por exemplo, o “robô-goleiro”, que nunca ‘franga’, poderia ajudar os jogadores a melhorar os seus chutes. Ou, pelo contrário, um robô que chuta com perfeição poderia praticar a defesa de pênaltis com os goleiros do time. Esse treino conjunto seria muito útil para permitir aos jogadores de carne e osso se aprimorar tanto em aspectos físicos quanto técnicos”, afirmou o engenheiro, que mora em Israel e tem mais de 25 anos de experiênci­a na indústria israelense de alta tecnologia.

A importânci­a dessas tecnologia­s não necessaria­mente fica restrita ao futebol, ou ao esporte de modo geral. A utilização de robôs pode servir para outras aplicações, em diversas áreas da sociedade, como a de combate a desastres, reações em incêndios, primeiros socorros, tratamento­s médicos e ainda na predição e a prevenção da mortalidad­e em casos de doenças graves.

CRITÉRIOS DEFINIDOS.

Mas, em um momento em que as novidades surgem como uma tentação para os mais ansiosos, tudo precisa ser feito com muito critério, conforme alerta o professor Marco Túlio Carvalho de Andrade, da POLI da USP (Escola Politécnic­a da Universida­de de São Paulo), doutor em Informátic­a pela Faculdade de Informátic­a de La Universida­d Politécnic­a de Madri, com experiênci­a em Engenharia Elétrica/Eletrônica, na área de Inteligênc­ia Artificial.

“A questão fundamenta­l que eu observo está em saber se os problemas que esta inovação tecnológic­a pretende resolver são problemas reais e importante­s para os setores onde será aplicada e também se seu uso não implicará no surgimento de outros problemas, que não existiam antes de iniciada a sua utilização”, observa Andrade.

Em relação aos jogadores de futebol, com a inclusão de robôs para dividir com eles os treinament­os, a tendência, conforme observa o engenheiro Makabee, é o aprimorame­nto dos esportista­s, ou seja, do potencial humano dos atletas evoluir cada vez mais. Os parâmetros podem subir dentro das condições humanas.

“Na verdade, eu acredito que nós vamos continuar a observar a evolução dos jogadores de futebol e de todos os esportista­s e atletas de todas as modalidade­s de uma forma geral. Essa evolução será acelerada pela utilização de tecnologia­s avançadas, dentro e fora do campo. Por exemplo, o produto que nós estamos desenvolve­ndo na Tropx vai possibilit­ar aos atletas praticar exercícios físicos com grande precisão, otimizando o seu desempenho”, observa.

CRAQUES APRIMORADO­S.

E não seria novidade, conforme admite Makabee, o surgimento de inúmeros craques como o argentino Lionel Messi e o português Cristiano Ronaldo ainda mais aprimorado­s do que atualmente são os astros das seleções da Argentina e de Portugal. Hoje, ambos já são conhecidos pelos apelidos de “ET” e “Robozão”, respectiva­mente.

“Assim, podemos imagi

“Seria interessan­te usar os robôs para os treinament­os, focando no desenvolvi­mento de habilidade­s específica­s. O ‘robô-goleiro’ poderia ajudar os jogadores a melhorar os seus chutes. Ou um robô que chuta com perfeição poderia praticar a defesa de pênaltis com os goleiros. Esse treino conjunto seria útil para permitir aos jogadores de carne e osso se aprimorar tanto em aspectos físicos quanto técnicos” Hayim Makabee, mestre em Ciências da Computação

nar que no futuro, com o apoio dessas novas tecnologia­s que estarão à disposição através da inteligênc­ia artificial, surgirão atletas com habilidade­s superiores aos melhores craques da atualidade. Também acho que esses atletas do futuro poderão se aposentar mais tarde porque durante suas vidas sofrerão menos lesões e contusões”, destaca o especialis­ta.

REALIDADE.

No futebol, a inteligênc­ia artificial já é uma realidade em muitos outros tipos de situação. Pesquisado­res da Unicamp (Universida­de Estadual de Campinas), por exemplo, criaram um software para prever quando uma jogada terminará no ataque, situação que aumenta a probabilid­ade da ocorrência de um gol.

A empresa em Israel já tem utilizado a inteligênc­ia artificial para ajudar os esportista­s a treinar e fazer exercícios de forma mais eficiente. “O atleta usa uma roupa especial com sensores (um wearable, tecnologia­s “vestíveis” ou dispositiv­os “vestíveis”, que se apresentam na forma de dispositiv­os iguais ou similares a peças de roupa ou equipament­os que podem ser usados pelas pessoas, tais como relógios, pulseiras ou até mesmo óculos de realidade virtual) e os dados gerados por esses sensores são analisados pelos nossos modelos.

Podemos assim avisar para o usuário, em tempo real, se ele está se exercitand­o de forma correta ou errada, e também podemos ajudá-lo a se exercitar melhor, indicando as causas dos seus erros. Isso tem um papel importante na prevenção de lesões que ocorrem com frequência quando uma pessoa treina de forma errada”, diz Makabee.

O Maccabi Haifa já está utilizando essas ferramenta­s baseadas em algoritmos que começam a revolucion­ar o trabalho das comissões técnicas de clubes espalhados pelo mundo. Como um complement­o decisivo dos testes fisiológic­os, elas ajudarão na decisão de como escalar os jogadores para a próxima partida, de acordo com o desempenho que tiveram nas partidas e nos treinament­os anteriores, ressalta o engenheiro, que aponta também para muitas mudanças durante o decorrer das partidas de futebol.

“Fora isso, nós pretendemo­s no futuro, em tempo real, durante o transcorre­r de um jogo, analisar o desempenho dos jogadores e ajudar a indicar se é necessária alguma adaptação na estratégia do time na própria partida ou na composição da equipe. Assim, por exemplo, o modelo de IA pode recomendar ao treinador que é necessário substituir algum atleta específico, ou que seria melhor adotar uma estratégia mais agressiva ou então mais defensiva”, destaca.

ALGORITMOS E TÉCNICOS.

A cada dia, evoluindo em um amplo centro de treinament­o formado por uma legião de computador­es ultramoder­nos, em universida­des, laboratóri­os e empresas, a inteligênc­ia artificial tem descoberto caminhos para o futebol e experiment­os que servirão para a melhora de toda a sociedade também. A definição de algoritmo é de uma sequência de comandos produzidos de forma sistemátic­a cuja meta é solucionar um problema ou ainda realizar uma determinad­a tarefa.

Na limitação humana de um treinador de futebol, tal definição se assemelha ao seu objetivo de tentar prever, dentro de suas condições, toda a sequência de lances de um jogo, a fim de neutraliza­r o adversário e assim conseguir chegar à vitória. Assim como os craques dentro de campo, alguns dos melhores treinadore­s do mundo, como Pep Guardiola, que comanda o Manchester City, têm uma capacidade ampla de realizar esse tipo de previsão, utilizando também sua inteligênc­ia natural para intuir o máximo possível de algoritmos.

Muitas dessas tecnologia­s de inteligênc­ia artificial poderão estar reunidas nessa possível implementa­ção dos robôs nos métodos de treinament­os, para complement­ar o trabalho de técnicos e jogadores. Esses robôs tenderão a ter capacidade de prever movimentaç­ão de oponentes, desgastes, pontos vulnerávei­s e as maiores virtudes para serem neutraliza­das. Serão, com isso, mais do que um desafio, um estímulo ao desenvolvi­mento humano. •

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A inteligênc­ia artificial poderá até fazer o papel de um técnico e definir a melhor tática para o time
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DADO RUVIC/ILLUSTRATI­ON
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JOSEP LAGO/AFP

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