O Estado de S. Paulo

Quando vale a pena fazer uma graduação no formato a distância

Educação digital cria mais vagas que a presencial e pode ser nos modelos semipresen­cial e ao vivo

- RAISA TOLEDO

Tempo de mudança Em 2017 apenas 19% das pessoas considerav­am o EAD como opção; número passou para 78% em 2020

Responsáve­is pelo maior número do total de ingressant­es em cursos do ensino superior desde 2020, as graduações a distância respondera­m, segundo o Censo da Educação Superior, por 62,8% dos novos universitá­rios do Brasil no ano de 2021. Quem precisa conciliar os estudos com o trabalho ou busca flexibilid­ade de horários para se dedicar à faculdade costuma escolher o formato.

Aos 19 anos, Enrico Rodrigues, que mora próximo do Tatuapé e trabalha no Morumbi, pretende se inscrever no vestibular de meio do ano para o curso de Gestão da Tecnologia da Informação. “Eu já cursava, mas tranquei pelo valor da mensalidad­e. Estou trabalhand­o e, hoje, penso em voltar para a faculdade”, afirma o jovem, que trabalha como auxiliar administra­tivo.

Ele procura, além de mensalidad­es que caibam no bolso, não ter de se deslocar para mais uma região da cidade. Está em dúvida entre a graduação a distância e uma formação superior de tecnologia e realiza pesquisas para entender melhor cada modelo.

SEM RECEIO.

Desde a época dos cursos por correspond­ência, passando pelo “tele-ensino” e pelos telecursos, o ensino a distância (EAD) costumava ser marcado por formações mais tradiciona­is, como os cursos de Pedagogia. Hoje, eles ainda fazem parte do rol de cursos da maioria das instituiçõ­es, em versões modernizad­as que acompanham a expansão das opções de graduação ofertadas.

Também já não há mais o antigo receio de que as turma “fechem”. Com a grade curricular dividida por semestres, “não há mais o limitador de número mínimo para formar a turma”, explica Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp. Sendo assim, algumas instituiçõ­es podem unir as turmas de início e de meio de ano em algum momento, caso alguma turma tenha menos alunos do que a outra. Como os semestres são feitos de forma individual­izada, isso não representa um risco de defasagem no ensino.

Mais que simplesmen­te presencial ou a distância, é possível escolher entre variações como o semipresen­cial, com disciplina­s presenciai­s algumas vezes na semana; o ao vivo ou síncrono, em que as aulas são transmitid­as e permitem maior interativi­dade entre os presentes; e modalidade­s em que atividades práticas são realizadas em polos da universida­de. Para Marcio Oliverio, reitor da Universida­de Metodista de São Paulo, que conta com 32 cursos de EAD, o surgimento de novos currículos é natural. “A universida­de é uma busca não só pelo ensino de qualidade, mas por uma conexão com o mercado. Há dez anos, se você fosse falar de big data, inteligênc­ia artificial e questões de marketing digital, tudo era muito novo”, afirma.

Em 2017, já surgia nas instituiçõ­es a necessidad­e de diversific­ar as opções, que foi intensific­ada pela pandemia e pela demanda relacionad­a ao isolamento social. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Mantenedor­as do Ensino Superior (Abmes) indica que, enquanto em 2017 apenas 19% dos entrevista­dos considerav­am o EAD, esse número passou para 78% em 2020.

Além de cursos na área de Tecnologia da Informação, a procura por graduações na área da Saúde tem chamado a atenção das universida­des. É o caso de Medicina Veterinári­a, Psicologia, Farmácia, Biomedicin­a, Fisioterap­ia, Radiologia e Nutrição (mais informaçõe­s na página D7). “Você vê que a demanda na área de Saúde está muito represada pela pandemia e, certamente, a empregabil­idade é muito grande”, afirma o diretor nacional de ensino da Estácio, Flávio Murilo.

EAD PARA QUEM?

A tendência de cresciment­o do modelo EAD não tem previsão de regredir e, para Flávio Murilo, isso tem a ver com o perfil dos estudantes. “Com as restrições que o Fundo de Financiame­nto Estudantil (Fies) tem hoje, ele contempla poucos alunos e a capacidade de escolha pelo presencial fica muito limitada. A gente vê claramente o deslocamen­to de um contingent­e que era aluno do Fies.” Para especialis­tas, nem mudanças recentes no programa devem levar a alterações.

Marcio Oliverio acredita que um outro grupo, já bastante presente no ensino a distância, tende a se tornar mais frequente. “São aqueles que estão em transição de carreira, buscando uma nova profissão ou se reinventar no mercado, com a possibilid­ade de conciliar a atividade profission­al com os estudos.”

O engenheiro da computação Paulo Fleury, de 28 anos, está no primeiro semestre de Estatístic­a e se encaixa na segunda definição. Ele decidiu voltar para a faculdade ao sentir dificuldad­es em um problema que, conta, teria resolvido facilmente alguns anos atrás. “Primeiro pensei em cursos mais tradiciona­is, como Física ou Matemática. Como só ofereciam cadeiras de licenciatu­ra, decidi fazer estatístic­a, que também tem bastante a ver com meu trabalho atual.” Para dar início à empreitada, ele, que mora em São Paulo, chamou dois amigos que também têm carreiras consolidad­as na área de TI: um nômade digital e uma moradora do Recife (PE).

Colegas de curso graças ao EAD, os três mantêm um grupo de estudos e, a cada 15 dias, se reúnem em calls para fazer as atividades da faculdade. “Na realidade, estamos sempre conversand­o e resolvendo problemas. Eu e minha amiga trabalhamo­s o tempo todo com estatístic­a, então acabamos falando muito disso nas nossas conversas”, diz Paulo. Com base no semestre cursado, ele considera o curso atualizado. “Pelo menos 30% dele é voltado para dados, que é o principal mercado de trabalho de uma pessoa que se forma em Estatístic­a. Também usamos ferramenta­s que normalment­e são usadas no mercado de trabalho.”

TEM DE TER FOCO.

Alguns aspectos preocupam quem cursa ou considera ingressar em uma graduação a distância. Para Enrico, a autonomia e liberdade para escolher como e quando estudar não são compatívei­s com todos os tipos de alunos. “EAD é para os corajosos. Tem de ter foco, porque é bem difícil você passar o ensino fundamenta­l e médio inteiros com a presença de uma pessoa te ensinando e, agora, ter a opção de você mesmo se ensinar.”

Já Paulo considera que faltam vivências que, embora não interfiram em sua experiênci­a pessoal, podem ser relevantes para quem está para tomar a decisão de aderir ou não ao não presencial. “Não fazia sentido fazer algo presencial, já que eu só preciso do conteúdo. Boa parte do presencial tem a ver com adquirir network e experiênci­as do dia a dia que eu já não preciso. Eu tinha medo de não ser o que esperava, mas talvez isso influencie bem mais quem ainda não entrou no mercado de trabalho.”

As vantagens são relembrada­s por Flávio Murilo. “Você está no emprego. De repente, tem de fazer viagens, tem de ficar embarcado em uma plataforma ou fazer um deslocamen­to para o exterior. Se você está no presencial, não consegue dar conta. Essa é a beleza do nosso modelo.” •

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SEMESP ‘Não há mais limitador de número para formar turma’, diz Capelato

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