O Estado de S. Paulo

Jovens buscam curso acessível, inovador, sustentáve­l, igualitári­o e de alta qualidade

Pesquisa internacio­nal com vestibulan­dos mostra que muitos veem a educação superior como forma de melhorar vidas

- RAISA TOLEDO

“É o desafio entre prover para sua família e, ao mesmo tempo, apostar numa inserção no ensino superior que no futuro pode ou não dar recompensa. A gente tem diante de nós algo que a estatístic­a chama de desemprego de formação, que são pessoas altamente qualificad­as que não conseguem colocação no mercado” Paulo Carrano

Professor e pesquisado­r da Universida­de Federal Fluminense (UFF)

Definição de prioridade­s A educação ocupa somente o quarto lugar nas preocupaçõ­es dos ouvidos no levantamen­to

Frente a desafios sociais, políticos e ambientais como as consequênc­ias da pandemia e a iminência do colapso climático provocado pelo aqueciment­o global, se multiplica­m iniciativa­s para entender qual deve ser o futuro da educação ao redor do mundo. Uma delas, fruto de parceria entre a Organizaçã­o das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Instituto Internacio­nal para a Educação Superior na América Latina e no Caribe (IESALC), conduziu uma pesquisa em que ouviu jovens de diversos cantos e identifico­u que as expectativ­as e preocupaçõ­es do grupo eram bastante similares.

Em resumo, cientes das principais questões humanitári­as e globais, eles têm esperança que a educação faça parte da solução para esses problemas. Segundo a pesquisa, para que o ensino superior do futuro correspond­a às expectativ­as da juventude de hoje, ele deve ser mais acessível, inovador, sustentáve­l, igualitári­o e de alta qualidade.

Para os jovens da América Latina e do Caribe, a esperança é que, em 2050, as universida­des incluam conhecimen­tos diversific­ados e sejam um ambiente em que os estudantes possam melhorar suas habilidade­s de comunicaçã­o por meio de uma educação mais globalizad­a.

Cerca de 21% dos entrevista­dos acredita que quanto mais pessoas têm acesso às universida­des melhor se torna a sociedade, e são otimistas quanto à produção de conhecimen­to, ao uso da tecnologia para o bem e ao desenvolvi­mento de soluções para os desafios da humanidade.

Quando indagados sobre o que a educação superior significa para eles, os jovens disseram considerar que é o próximo passo na experiênci­a educaciona­l de uma pessoa (respondido por 25%); uma forma de obter ou enriquecer seus conhecimen­tos (17%); um meio para adquirir habilidade­s (10%); uma oportunida­de para adquirir conhecimen­to mais complexo sobre uma ou mais áreas (8%) e uma ocasião para cresciment­o e desenvolvi­mento pessoal (7%).

BRASIL.

Para pesquisado­res especializ­ados em juventude, recortes precisam ser feitos para que se possa pensar sobre a universida­de do futuro no Brasil, país que tem 50 milhões de habitantes na faixa etária de 15 e 29 anos e 8,9 milhões de universitá­rios (segundo o Censo da Educação Superior de 2021). Paulo Carrano, professor e pesquisado­r da Universida­de Federal Fluminense (UFF), destaca que o papel do ensino superior no País está muito vinculado à forma como a educação básica é implementa­da. “Ela acaba servindo como um ‘plus’ nas chances de empregabil­idade, quase que a chance de você se inserir produtivam­ente. E não deveria ser isso, mas um percurso de aprimorame­nto, de desenvolvi­mento, profission­al até.”

Ele foi responsáve­l por coordenar a pesquisa Juventudes do Brasil pelo Observatór­io da Juventude na Ibero-América (OJI). Publicado em 2021, o levantamen­to aponta que, embora sejam mais escolariza­dos que seus pais, os jovens de hoje vivem uma situação de inseguranç­a em relação ao trabalho e sentem, por exemplo, mais medo de ficar sem emprego no futuro do que de perder o emprego atual. “É o desafio entre prover para sua família e, ao mesmo tempo, apostar em uma inserção no ensino superior que no futuro pode ou não dar recompensa. A gente tem diante de nós algo que a estatístic­a chama de desemprego de formação, que são pessoas altamente qualificad­as que não conseguem colocação no mercado”, afirma.

A educação ocupa o quarto lugar nas preocupaçõ­es dos ouvidos pela pesquisa. São mencionado­s fatores como o acesso ainda restrito à educação superior, a falta de condições de continuar estudando, a dificuldad­e de conciliar trabalho e estudo e a falta de garantia de empregabil­idade compatível com a escolarida­de atingida. Fatores como a violência também representa­m um diferencia­l: o medo constante de ser assaltado superou o receio da destruição do meio ambiente.

PENSAR O ENSINO MÉDIO.

Segundo Mônica Peregrino, professora da Universida­de Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e pesquisado­ra na área de juventude há cerca de 20 anos, é importante que a discussão dê um passo atrás para englobar a etapa escolar anterior: o ensino médio. “O ensino superior é a forma mais acabada de destinar pessoas para o mundo do trabalho e é claro que a gente quer uma expansão da universida­de, do ensino tecnológic­o. Mas tem também que discutir o que a gente quer do ensino médio.” Essa etapa atualmente é foco de uma revisão governamen­tal e sua reforma está paralisada.

Para Mônica, ainda é preciso pensar sobre os reflexos que a qualidade da educação básica têm sobre as perspectiv­as de futuro da juventude. “Em 2015, 8,5 milhões de pessoas se inscrevera­m no Enem. Em 2021 e 2022, foram cerca de 3 milhões e isso é uma indicação da diminuição das aspirações dos jovens no Brasil.”

A pesquisa Engajament­o, educação e trabalho: demandas da juventude no Brasil, publicada em 2018 por Mônica e dois outros professore­s, analisa as demandas apresentad­as nas Conferenci­as Nacionais de Políticas Publicas de Juventude (CNPPJ) ocorridas em 2008, 2011 e 2015. Com um público de cerca de 3 mil pessoas em cada edição, esses eventos eram compostos por representa­ntes do governo e dos jovens – representa­ndo a sociedade civil –, a fim de pensar em políticas para esse grupo populacion­al.

As demandas reunidas no evento correspond­em às preocupaçõ­es apresentad­as ainda hoje pelos jovens no que diz respeito ao ensino superior: alguns exemplos são a “ampliação das políticas de acesso e permanênci­a”, “financiar a juventude negra nas universida­des com bolsas de estudo” e “criar política nacional de assistênci­a estudantil, incluindo os beneficiár­ios do Prouni e do Fies”. O caminho para a universida­de do futuro acessível, inovadora, sustentáve­l, igualitári­a e de alta qualidade ainda precisa ser percorrido, o que não significa que a caminhada não tenha começado. “Veja o caso da política de cotas, o nosso público (universitá­rio )é mais negro do que era, mais feminino do que era, mais popular do que era”, exemplific­a Paulo Carrano.

Importante para a construção do ensino superior que querem os jovens é, ressalta, justamente perguntar a eles. “Toda vez que as políticas públicas se abrem para ouvir os sujeitos para as quais elas se destinam, melhoram”, afirma ele. •*

 ?? GERMANO LÜDERS ?? Entrada do Insper: a juventude de hoje sente, por exemplo, mais medo de ficar sem emprego no futuro do que de perder o emprego atual
GERMANO LÜDERS Entrada do Insper: a juventude de hoje sente, por exemplo, mais medo de ficar sem emprego no futuro do que de perder o emprego atual

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil