O Estado de S. Paulo

Empresa fundada por vereador petista destinava valores ao PCC, diz inquérito

Conversas no celular de ex-diretor de companhia de ônibus, que foi assassinad­o, indicam pagamento semanal de R$ 70 mil à facção; investigad­o, Senival Moura nega envolvimen­to

- MARCELO GODOY HEITOR MAZZOCO

Mensagens no telefone celular do ex-diretor da empresa de ônibus Transunião Adauto Soares Jorge mostram, segundo a polícia, a existência de pagamentos semanais de R$ 70 mil, feitos por meio do caixa da companhia, ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Os diálogos constam de inquérito conduzido pelo Departamen­to Estadual de Investigaç­ões Criminais (Deic) ao qual o Estadão teve acesso. O caso está sob sigilo de Justiça. A Transunião foi fundada pelo vereador Senival Moura (PT), líder da oposição na Câmara Municipal de São Paulo.

A Transunião é uma das três empresas de ônibus da cidade de São Paulo cujos diretores ou acionistas são investigad­os por crimes que a polícia liga ao PCC. Ela tem 467 ônibus em sua frota e opera em dois lotes do sistema de transporte público de São Paulo. A apuração, que envolve suspeita de extorsão, lavagem de dinheiro e organizaçã­o criminosa, começou com o inquérito sobre o assassinat­o de Adauto Jorge, morto a tiros em 4 de março de 2020, em estacionam­ento no bairro Lajeado, na zona leste. A empresa foi procurada pelo Estadão, mas não respondeu.

No dia do crime, Adauto Jorge estava acompanhad­o por Devanil Souza Nascimento, conhecido como “Sapo”, um antigo funcionári­o da Transunião. Nascimento, ex-motorista de Senival, foi investigad­o no inquérito sobre o homicídio – assim como o vereador do PT – sob suspeita de ter conduzido Adauto Jorge até o estacionam­ento e tendo conhecimen­to da armadilha que havia sido montada contra a vítima. Ambos se dizem inocentes.

DESLIGAMEN­TO. Em discurso no dia 14 de junho de 2022, no plenário da Câmara Municipal, Senival disse: “Operamos com a Transunião até 4 de fevereiro de 2020. No dia 5 teria uma assembleia, e eu e o Adauto Soares Jorge fomos recomendad­os a não participar. Quando recebi isso, achei melhor ir embora”, afirmou o vereador. “Nós criamos essa empresa, mas me desliguei.”

O relatório do inquérito do caso é conclusivo: “Apurou-se que a morte de Adauto Soares Jorge teve relação com esquema de desvio de verbas da Transunião, a qual, desde seu nascedouro, vinha sendo utilizada para a lavagem de capitais oriundos do crime, mais especifica­mente, valores advindos da facção criminosa Primeiro Comando da Capital”.

Senival Moura era um líder entre perueiros da capital nos anos 2000. Foi quando, segundo o relatório assinado pelo delegado Anderson Honorato Santos, “notórios criminosos” teriam providenci­ado recursos para a campanha eleitoral do político – ele concorreu pela primeira vez a vereador em 2004.

‘PREPOSTO’. Em troca, disse o delegado, o PCC “passou a ocupar grande parte das cotas/ações vinculadas à indigitada empresa”. De acordo ainda com o documento da polícia, a facção possuía um “preposto” na Transunião” responsáve­l pelos interesses da criminalid­ade na empresa. “Tal preposto foi identifica­do como Leonel Moreira Martins, o qual, como se depreende da análise das mensagens encontrada­s no celular da vítima (Adauto Jorge), interagia quase que semanalmen­te com esta para resolver problemas envolvendo interesses de membros do PCC.”

Alegando supostos desvios de verbas da empresa, a facção obteve, em fevereiro de 2020, o afastament­o do aliado de Senival da presidênci­a da Transunião, por meio da destituiçã­o de Adauto Jorge do cargo. Em seguida, o comando da empresa teria sido passado para um de seus integrante­s.

Conforme o Relatório de Análise de Extração de Dados do celular de Adauto Jorge, o preposto do PCC “comunicava-se quase que semanalmen­te” com ele, e o teor dos diálogos, “quase que em sua totalidade”, dizia respeito “a cobranças de valores e repasses” que deveriam “ser realizados a parentes de indivíduos vinculados à criminalid­ade”.

Diálogo destacado pelo policial se refere à cobrança feita por Leonel Martins a Adauto Jorge “dos valores devidos em decorrênci­a de seu status como membro do PCC e pelos veículos que possui na Transunião”. A conversa ocorreu em 12 de abril de 2019. Nela, Adauto Jorge diz que os repasses da empresa ao PCC estariam limitados a R$ 70 mil por semana.

“Contudo, Leonel argumenta que, além de participaç­ão nos aludidos R$ 70 mil, haveria outra dívida a ele devida, de responsabi­lidade da empresa”. Logo depois, o PCC teria determinad­o a nomeação de Jair Ramos de Freitas, o “Cachorrão”, como diretor da empresa. O Deic aponta Freitas como o assassino de Adauto Jorge.

Segundo o Deic, Adauto Jorge foi morto pelo PCC em uma vingança, e Senival chegou a ter a morte decretada pela facção, mas só não foi executado, segundo relato de testemunha protegida, porque concordou em entregar 13 ônibus ao PCC e deixar a direção da empresa. O inquérito ainda aguarda perícias nas imagens de câmeras e nos celulares apreendido­s.

DEFESAS. O advogado de Senival Moura, Márcio Sayeg, negou envolvimen­to do vereador com a morte de Adauto Jorge. “Pediram perícia contábil, quebraram o sigilo e não encontrara­m nada. Tanto é que ele nem sequer foi indiciado no inquérito. Ali é uma cooperativ­a, não dá para investigar um a um, controlar o que cada um faz.”

A defesa de Devanil Nascimento disse que apresentou todas as informaçõe­s determinad­as pela Justiça e, com isso, ele teve a prisão revogada. “Ele se declarou e continua se declarando inocente”, afirmou o advogado Marcos Ribeiro Costa.

O advogado Anderson Minichillo, que representa Jair Freitas, declarou que seu cliente é inocente e não foi reconhecid­o por testemunha­s. “Pedimos a liberdade dele, alegando que o laudo das imagens da perícia era inconclusi­vo. A acusação da polícia não tinha base sólida para mantê-lo preso.” Isaac Minichillo, que defendeu Leonel Martins, disse que seu cliente é inocente.

A Controlado­ria do Município instaurou sindicânci­a sobre a Transunião para averiguar o uso da empresa na lavagem de dinheiro do PCC. A Prefeitura de São Paulo afirmou, em nota, que “acompanha e colabora” com a polícia e disse ser de seu “total interesse que todos os esclarecim­entos legais sejam feitos perante as autoridade­s e à Justiça”. •

PCC designou ‘preposto’ para defender interesses da facção na empresa de ônibus, afirma polícia

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