O Estado de S. Paulo

A Hollywood aqui em casa

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Há coisa de dez dias, a OpenAI anunciou Sora, uma inteligênc­ia artificial para gerar vídeos. Ainda não foi aberta ao público, os engenheiro­s estão trabalhand­o para fazer o “alinhament­o”. É o termo usado no mundo da IA para a colocação dos diversos filtros para que os sistemas se comportem dentro de certos parâmetros. É para que não saia sendo racista, não gere pornografi­a ou seja lá que limites eles compreenda­m ser necessário­s. Coisa de meses para a nova ferramenta estar à disposição de todo mundo. E ainda não caiu a ficha para muita gente: o audiovisua­l nunca mais será o mesmo.

Sora funciona com prompts. Ou seja, a gente imagina uma cena, descreve em um parágrafo, manda para o computador. A resposta é um vídeo. Se ninguém avisar que aquilo é 100% sintético, engana. Parecem atores, parece cidade, floresta, mar, não importa o cenário.

Sora nasce com alguns usos diferentes. Um deles é este inicial – da frase para o vídeo. Mas não só. Quem quiser pode enviar uma fotografia, descrever a cena que deseja, e aquela fotografia vira o quadro inicial do vídeo produzido. Quem preferir pode enviar um vídeo e pedir à IA que o estenda por mais um minuto. “Depois que meu filho chuta a bola, por favor leve a bola ao gol do Maracanã.” O algoritmo pode, inclusive, interferir num vídeo. “Substitua o cabo de vassoura por um sabre de luz vermelho, no estilo Darth Vader.”

Não faz um ano que se abriu, em Hollywood, a greve de roteirista­s e atores, querendo um aumento e garantias de que seu trabalho não será substituíd­o por IA. Talvez não seja até o final de 2024, mas é difícil imaginar que a década chegue à segunda metade sem que assistamos a um filme inteiramen­te produzido por inteligênc­ia artificial.

O primeiro filme realizado com IA dificilmen­te vai dispensar atores e um bom roteirista. A história por contar, e como contá-la, ainda exigirá por um bom tempo a criativida­de humana. Qualidade de interpreta­ção também não vai vir de software. Não tão cedo. Mas alguém com uma história na cabeça, uns amigos estudantes de interpreta­ção e um smartphone na mão poderá filmar com qualidade suficiente para que Sora, ou ferramenta similar, dê o acabamento que for desejado.

IAs são alimentada­s com a produção da humanidade. Elas copiam com uma sofisticaç­ão que nem sequer poderíamos imaginar ver apenas cinco anos atrás. Mas copiam, apenas copiam, não criam. O problema de chamá-las “inteligênc­ia” é que isso dá a ilusão de que pode vir criativida­de dali. Não virá.

A capacidade de criar ainda será por um tempo o último bastião da humanidade.

O primeiro filme realizado com IA dificilmen­te vai dispensar atores e um bom roteirista

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