Prisões da América Latina se tornam centro de recrutamento para gangues
Facções se aproveitam de explosão da população carcerária para gerenciar negócios à distância, chefiando da cadeia o narcotráfico e ordenando assassinatos, sequestros e extorsões
O Exército do Equador assumiu o controle das prisões em janeiro, depois que dois líderes de gangues escaparam e desencadearam uma revolta que paralisou o país. No Brasil, dois detentos de uma facção se tornaram os primeiros a escapar de uma das cinco prisões federais brasileiras de segurança máxima. Na Colômbia, autoridades declararam emergência nas prisões depois que dois guardas foram mortos em retaliação contra a repressão ao crime.
Dentro das prisões da América Latina, grupos criminosos exercem autoridade incontestável sobre os prisioneiros, extorquindo dinheiro deles para garantir proteção ou necessidades básicas, incluindo comida. As penitenciárias também são refúgio para líderes criminosos administrarem remotamente suas gangues, ordenando assassinatos, orquestrando o narcotráfico, sequestros e extorsões.
Quando autoridades tentam restringir o poder das organizações, seus líderes enviaram membros do lado de fora para contra-atacar. “O principal centro gravitacional de controle do crime organizado está dentro das prisões”, disse Mario Pazmiño, ex-diretor de inteligência do Exército do Equador.
A população carcerária da América Latina explodiu nas últimas décadas, impulsionada por medidas mais rígidas contra o crime. Mas os governos não investiram para lidar com o aumento e cederam o controle aos detentos.
SEM SAÍDA. Aqueles que são mandados para a prisão geralmente têm uma escolha: juntar-se a uma gangue ou enfrentar sua ira. Consequentemente, as prisões se tornaram centros de recrutamento, fortalecendo o controle do crime sobre a sociedade, em vez de enfraquecê-lo.
Autoridades prisionais, que são mal pagas, em menor número, sobrecarregadas e frequentemente subornadas, cederam aos líderes de gangues em muitas prisões em troca de uma frágil paz. Grupos criminosos controlam total ou parcialmente mais da metade das 285 prisões do México, segundo especialistas. No Equador, especialistas dizem que a maioria das 36 prisões está sob algum grau de controle de gangues.
“As gangues estão resolvendo um problema para o governo”, disse Benjamin Lessing, professor da Universidade de Chicago, que estuda gangues da América Latina. “Mas isso dá a elas um tipo de poder que é difícil de medir, mas também é difícil de superestimar.”
A população carcerária da América Latina aumentou 76%, de 2010 a 2020, de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, superando em muito o aumento populacional de 10% da região no mesmo período. Muitos países impuseram políticas mais rígidas, levando a maioria das penitenciárias a ultrapassar a capacidade máxima.
Ao mesmo tempo, os governos priorizaram investir em suas forças de segurança como forma de reprimir o crime e mostrar força, em vez de gastar com prisões, que são menos visíveis. Brasil e México, os maiores países da América Latina, investem pouco em prisões: o governo brasileiro gasta US$ 14 (R$ 70) por preso por dia, enquanto o México gasta US$ 20 (R$ 100). Os
EUA gastaram US$ 117 (R$ 580) por dia em 2022.
SALÁRIOS. Os guardas na América Latina também recebem salários baixos, tornando-os suscetíveis a subornos de gangues para contrabandear ou ajudar na fuga de detentos. As prisões do Equador são um exemplo clássico, dizem os especialistas, dos problemas da América Latina.
“O principal centro gravitacional de controle do crime organizado está dentro das prisões”
Mario Pazmiño
Ex-diretor de inteligência do Exército do Equador
“As gangues estão resolvendo um problema para o governo (ao controlar as prisões). Mas isso dá a elas um tipo de poder que é difícil de medir, mas também é difícil de superestimar”
Benjamin Lessing
Professor da Universidade de Chicago, que estuda gangues da América Latina
Reincidência Cerca de 40% dos presos de Brasil, Argentina, Chile e México são libertados, mas voltam para a prisão depois
Os tumultos em janeiro eclodiram depois que o presidente, Daniel Noboa, reforçou a segurança após uma investigação mostrar como um líder de gangue preso, enriquecido pelo tráfico de cocaína, havia corrompido juízes, policiais, agentes e autoridades.
Noboa planejava transferir vários líderes de gangues para uma instalação de segurança máxima, tornando mais difícil para eles operarem seus negócios. Mas esses planos foram vazados para líderes de gangues e um deles desapareceu de um complexo prisional.
Do lado de fora, gangues ordenaram ataques, sequestros de policiais, queimaram carros, detonaram explosivos e tomaram uma importante estação de TV. Noboa respondeu declarando “conflito armado interno”, autorizando os militares a conter as gangues e invadir prisões.
As cenas lembravam El Salvador, onde o presidente Nayib Bukele declarou estado de emergência, em 2022, para combater a violência das gangues. Cerca de 75 mil pessoas foram presas, muitas sem o devido processo legal. “As prisões podem ser definidas como centros de exploração de pessoas pobres”, disse Elena Azaola, pesquisadora do sistema prisional do México. “Alguns foram presos por 10 ou 20 anos sem julgamento. Muitos saem piores do que entraram.”
Cerca de 40% dos presos de Brasil, Argentina, México e Chile são libertados apenas para serem encarcerados novamente. Enquanto a taxa de reincidência é muito maior nos EUA, na América Latina muitos presos por delitos menores acabam cometendo crimes mais graves, porque criminosos de baixa periculosidade compartilham celas com infratores mais graves. •
NYT