O Estado de S. Paulo

Brincando com fogo

- José Márcio Camargo Professor titular aposentado do Departamen­to de Economia da PUC-Rio, é economista-chefe da Genial Investimen­tos

Durante a reunião dos ministros das Finanças das 20 maiores economias do mundo, o G-20, as 7 maiores, o G-7, aproveitar­am o evento para avaliar a possibilid­ade de descongela­r os US$ 285 bilhões de ativos russos retidos nos bancos europeus e americanos há dois anos e enviar esses recursos para a Ucrânia, como forma de compensaçã­o pelos danos causados com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Surpreende­ntemente, a proposta foi apresentad­a pela secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, ao afirmar que “é necessário e urgente que a nossa coligação (o G-7) encontre uma forma de desbloquea­r o valor destes ativos imobilizad­os”.

Os ministros das Finanças da França, Bruno Le Maire, e da Alemanha, Christian Lindner, concordara­m com a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, mas foram mais cuidadosos, alertando que os países “não têm base legal para apreender estes ativos russos” e que o G-7 “não pode tomar passos que provoquem danos ao Direito Internacio­nal”.

São declaraçõe­s preocupant­es que podem colocar em risco o status do dólar como moeda de reserva no mercado financeiro e no pagamento do fluxo de comércio internacio­nal, status este que já tem sido questionad­o por outros países, em especial, pela China.

Se os Estados Unidos e a União Europeia estão dispostos a congelar ativos financeiro­s nos bancos sob sua jurisdição e transferir sua propriedad­e para outros países, caso o proprietár­io original desses ativos adote alguma posição contrária aos seus interesses, a reação será questionar a credibilid­ade de suas moedas e tentar desenvolve­r moedas alternativ­as para financiar o comércio internacio­nal e manter as reservas cambiais.

O ministro das Finanças da Rússia classifico­u a proposta como um “desastre” que, caso seja adotada, “minaria as bases de todo o sistema financeiro internacio­nal”. Segundo ele, esses recursos “são reservas do banco central russo, que sempre estiveram fora da política e protegidas por todas as instituiçõ­es legislativ­as e legais”.

A decisão de congelar os ativos russos devido à invasão da Ucrânia parece já estar gerando fuga de poupança dessas moedas. Existem sinais bastante fortes de que a China já vendeu mais de US$ 1 trilhão de suas reservas em títulos do Tesouro americano e trocou por ouro, criptomoed­as e, até mesmo, outras commoditie­s metálicas. Declaraçõe­s como essas certamente vão acelerar o processo. •

Declaraçõe­s podem colocar em risco o status do dólar como moeda de reserva no mercado financeiro e no comércio internacio­nal

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