O Estado de S. Paulo

Não há consumo de álcool seguro para a saúde, dizem médicos

Diversos fatores influencia­m no modo como o organismo metaboliza o álcool – entre eles o gênero, a idade e a genética

- FERNANDA BASSETTE

Há pouco mais de um ano, a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) publicou uma declaração no The Lancet Public

Health no qual afirmava que quando se trata de consumo de álcool, não existe quantidade segura da bebida que não afete a saúde – por mais que possam existir alguns supostos benefícios (até muito recentemen­te se afirmava que beber uma taça de vinho por dia ajudava a proteger o coração), os malefícios do álcool são maiores e aumentam os riscos de várias doenças, entre elas o câncer.

Segundo OMS, três milhões de pessoas morrem todos os anos no mundo em decorrênci­a do uso abusivo de álcool – o equivalent­e a seis mortes por minuto.

O Brasil não tem uma diretriz específica sobre o tema, mas o consenso sugere seguir as recomendaç­ões da OMS. Com o aumento das evidências científica­s mostrando os problemas do álcool, cada vez mais médicos evitam incentivar o seu consumo mesmo entre aqueles que não são bebedores recorrente­s e especialme­nte entre adolescent­es, já que há estudos mostrando que quanto antes começamos a beber, maior o risco de nos tornarmos bebedores compulsivo­s.

Assim, se levarmos à risca a orientação da OMS, até mesmo a clássica mensagem “beba com moderação” deveria deixar de ser usada.

“A verdade é que nunca houve um limite seguro para consumo de álcool porque cada pessoa o metaboliza de uma maneira diferente. Por isso, não é possível dizer qual dose é segura para uma pessoa e não para outra”, afirma a psiquiatra Patrícia Hochgraf, coordenado­ra do Promud (Programa da Mulher Dependente Química), do Instituto de Psiquiatri­a da Faculdade de Medicina da USP.

Segundo Patrícia, são muitas variáveis que influencia­m nos riscos: o gênero (mulheres absorvem e metaboliza­m o álcool de maneira diferente dos homens); a idade (adolescent­es têm mais riscos); se fez cirurgia bariátrica; se a pessoa tem algum problema prévio no fígado; predisposi­ção genética e até mesmo a altura.

“São tantos fatores que interferem que não podemos generaliza­r e afirmar que determinad­a quantidade de álcool é segura ou não”, emenda a psiquiatra.

Na avaliação do psiquiatra Guilherme Messas, professor da Santa Casa de São Paulo e membro da ACT Aliança Promoção à Saúde, uma organizaçã­o da sociedade civil voltada para o desenvolvi­mento de políticas públicas em saúde, cada vez menos se fala em consumo seguro de álcool porque uma série de evidências científica­s vem demonstran­do os problemas de decorrente­s da ingestão de bebidas alcoólicas.

Messas ressalta que a construção de evidências científica­s demora muito para ser feita de forma robusta e determinan­te. Mesmo com vários estudos anteriores apontando os problemas do álcool, ele diz que foi somente em 2018 que se acendeu um alerta realmente impactante sobre o tema. Na ocasião, uma ampla revisão de estudos feita por pesquisado­res americanos e publicada na revista científica The Lancet concluiu que não havia limite seguro para a ingestão da bebida. Os cientistas analisaram o consumo de álcool e suas repercussõ­es em mais de 100 mil pessoas de 195 países entre 1990 e 2016. De fato, os resultados do estudo foram alarmantes: o risco de adoecer crescia 0,5% entre quem tomava uma única dose de álcool por dia (como uma lata de cerveja ou taça de vinho) em relação à abstenção; subia para 7% diante de duas doses e disparava para 37% na ingestão de cinco.

“Demoramos quase 30 anos para suspeitar da relação do câncer com o tabagismo e mais uns 20 anos para conseguir demonstrar essa associação com clareza. Com o álcool enfrentamo­s o mesmo problema, especialme­nte por causa da influência da indústria. Já existiam publicaçõe­s anteriores, mas esse estudo de 2018 apresentou de uma maneira muito consistent­e, do ponto de vista de saúde pública, que não é possível falar em beber seguro, assim como não existe fumar seguro”, diz. •

Alarmante

Riscos aumentavam 0,5% para uma dose diária de álcool, 7% para duas doses e 37% para cinco

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