Não há consumo de álcool seguro para a saúde, dizem médicos
Diversos fatores influenciam no modo como o organismo metaboliza o álcool – entre eles o gênero, a idade e a genética
Há pouco mais de um ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma declaração no The Lancet Public
Health no qual afirmava que quando se trata de consumo de álcool, não existe quantidade segura da bebida que não afete a saúde – por mais que possam existir alguns supostos benefícios (até muito recentemente se afirmava que beber uma taça de vinho por dia ajudava a proteger o coração), os malefícios do álcool são maiores e aumentam os riscos de várias doenças, entre elas o câncer.
Segundo OMS, três milhões de pessoas morrem todos os anos no mundo em decorrência do uso abusivo de álcool – o equivalente a seis mortes por minuto.
O Brasil não tem uma diretriz específica sobre o tema, mas o consenso sugere seguir as recomendações da OMS. Com o aumento das evidências científicas mostrando os problemas do álcool, cada vez mais médicos evitam incentivar o seu consumo mesmo entre aqueles que não são bebedores recorrentes e especialmente entre adolescentes, já que há estudos mostrando que quanto antes começamos a beber, maior o risco de nos tornarmos bebedores compulsivos.
Assim, se levarmos à risca a orientação da OMS, até mesmo a clássica mensagem “beba com moderação” deveria deixar de ser usada.
“A verdade é que nunca houve um limite seguro para consumo de álcool porque cada pessoa o metaboliza de uma maneira diferente. Por isso, não é possível dizer qual dose é segura para uma pessoa e não para outra”, afirma a psiquiatra Patrícia Hochgraf, coordenadora do Promud (Programa da Mulher Dependente Química), do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.
Segundo Patrícia, são muitas variáveis que influenciam nos riscos: o gênero (mulheres absorvem e metabolizam o álcool de maneira diferente dos homens); a idade (adolescentes têm mais riscos); se fez cirurgia bariátrica; se a pessoa tem algum problema prévio no fígado; predisposição genética e até mesmo a altura.
“São tantos fatores que interferem que não podemos generalizar e afirmar que determinada quantidade de álcool é segura ou não”, emenda a psiquiatra.
Na avaliação do psiquiatra Guilherme Messas, professor da Santa Casa de São Paulo e membro da ACT Aliança Promoção à Saúde, uma organização da sociedade civil voltada para o desenvolvimento de políticas públicas em saúde, cada vez menos se fala em consumo seguro de álcool porque uma série de evidências científicas vem demonstrando os problemas de decorrentes da ingestão de bebidas alcoólicas.
Messas ressalta que a construção de evidências científicas demora muito para ser feita de forma robusta e determinante. Mesmo com vários estudos anteriores apontando os problemas do álcool, ele diz que foi somente em 2018 que se acendeu um alerta realmente impactante sobre o tema. Na ocasião, uma ampla revisão de estudos feita por pesquisadores americanos e publicada na revista científica The Lancet concluiu que não havia limite seguro para a ingestão da bebida. Os cientistas analisaram o consumo de álcool e suas repercussões em mais de 100 mil pessoas de 195 países entre 1990 e 2016. De fato, os resultados do estudo foram alarmantes: o risco de adoecer crescia 0,5% entre quem tomava uma única dose de álcool por dia (como uma lata de cerveja ou taça de vinho) em relação à abstenção; subia para 7% diante de duas doses e disparava para 37% na ingestão de cinco.
“Demoramos quase 30 anos para suspeitar da relação do câncer com o tabagismo e mais uns 20 anos para conseguir demonstrar essa associação com clareza. Com o álcool enfrentamos o mesmo problema, especialmente por causa da influência da indústria. Já existiam publicações anteriores, mas esse estudo de 2018 apresentou de uma maneira muito consistente, do ponto de vista de saúde pública, que não é possível falar em beber seguro, assim como não existe fumar seguro”, diz. •
Alarmante
Riscos aumentavam 0,5% para uma dose diária de álcool, 7% para duas doses e 37% para cinco