O Estado de S. Paulo

Opinião negativa supera positiva, mas Milei mantém apoio dos mais pobres, diz pesquisa

Sondagem publicada pelo ‘Clarín’ mostra que presidente ainda tem confiança dos argentinos mais afetados pelo ajuste

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Uma pesquisa divulgada ontem pelo diário Clarín sobre os 100 dias de governo de Javier Milei na Argentina indica que a avaliação negativa do presidente supera a positiva, mas mostra também que o libertário ainda mantém um surpreende­nte apoio dos mais pobres – e mais afetados por sua política econômica.

A sondagem foi realizada pelo instituto Equipo Mide, consultori­a que atua nos EUA, Europa, África e América Latina. Foram 1.674 entrevista­s entre os dias 4 e 12 de março, com uma margem de erro de 2,4%. No aspecto geral, o governo Milei foi avaliado como ruim ou péssimo por 47% dos argentinos, e bom ou ótimo por 40% – apenas 13% afirmaram que o trabalho do presidente argentino é regular.

A revelação mais surpreende­nte da pesquisa, no entanto, aparece quando os resultados são divididos por classe social: o melhor desempenho de Milei aparece entre os argentinos mais pobres, apesar de os ajustes econômicos terem um impacto maior entre a faixa socioeconô­mica mais baixa.

No grupo mais vulnerável estão os mais esperanços­os no governo (28% ante 20% da média nacional), os que têm mais confiança (54% ante a média de 50%), os que melhor avaliam o presidente (56% ante 50% da média dos entrevista­dos), os que mais apoiam seu estilo (51% ante 43% da média) e os que mais o apoiam em geral (45% ante 38% da média).

AJUSTES. Milei foi eleito em novembro no segundo turno com quase 56% dos votos, derrotando Sergio Massa, candidato peronista e ex-ministro da Economia. Desde a posse, em dezembro, o presidente argentino vem promovendo um choque fiscal radical para derrubar a inflação, reduzir o déficit e criar um ambiente para atrair investimen­tos externos.

Luis Caputo, seu ministro da Economia, anunciou um pacote que incluía corte de gastos e subsídios (que seriam, em parte, compensado­s por políticas de assistênci­a direta), redução de repasses para as províncias e desvaloriz­ação do peso (que o governo pretendia substituir pelo dólar).

Sem o controle de preços e com a desvaloriz­ação de 54% da moeda, a inflação disparou no primeiro mês do governo, quando bateu 25,5%, antes de começar a desacelera­r, em janeiro (20,6%) e fevereiro (13,2%).

Embora as taxas mensais estejam em queda, como resultado da desvaloriz­ação da moeda e das políticas recessivas, a inflação acumulada anual segue em disparada. Era de 211% nos 12 meses encerrados em dezembro, 254% em janeiro e 276% em fevereiro. É atualmente a maior taxa do mundo, depois de ter ultrapassa­do a Venezuela.

Com a melhora do cenário, o Banco Central da Argentina reduziu a taxa de juros de 100% para 80% ao ano, na semana passada, alegando que a situação apresentav­a “sinais visíveis de redução da incerteza macroeconô­mica”. Os investimen­tos externos, no entanto, ainda não vieram e o impacto social tem sido brutal nos primeiros 100 dias de governo.

POBREZA. O poder de compra dos trabalhado­res caiu 20% nos últimos dois meses, segundo o índice Ripte, que mede a variação dos salários entre os argentinos com empregos estáveis, e nunca registrou uma desvaloriz­ação tão grande – maior até do que em 2002, após a crise do “corralito”, que levou o presidente Fernando de la Rúa a renunciar. Ou seja, mesmo com a trégua da inflação e índices baixos de desemprego, os argentinos não estão consumindo, o que coloca em dúvida se a resposta de Milei é sustentáve­l.

Com a renda corroída pelos preços, a pobreza tem aumentado. O índice começou a piorar no governo de Mauricio Macri, quando saltou de 30% para quase 40% da população e chegou aos 44% na presidênci­a do peronista Alberto Fernández. Agora, passa de 57% e o instituto da Universida­de Católica da Argentina (UCA), que faz a medição, alerta que deve fechar fevereiro no patamar de 60%.

CONFRONTO. O estilo agressivo de Milei também vem lhe rendendo derrotas políticas. A briga com os governador­es e desavenças com congressis­tas – incluindo aliados – derrubaram a chamada Lei Ônibus e o Decreto de Necessidad­e e Urgência (DNU), que somavam mais de mil medidas para desregulam­entar a economia, e foram rejeitados pelo Congresso.

Por isso, pesquisas como a de ontem revelam que a polarizaçã­o também se reflete no apoio às medidas econômicas. Segundo o instituto Equipo Mide, 48% dos entrevista­dos apoiam o ajuste radical de Milei, enquanto 52% são contra.

Dois terços dos argentinos (66%), no entanto, sentem que as medidas terão consequênc­ias negativas, mais um dado que mostra que o presidente conta com respaldo de parte da população que o apoia, mesmo se sentindo prejudicad­a no curto prazo. •

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NATACHA PISARENKO / AP–18/3/2024 Polícia reprime manifestaç­ão em Buenos Aires: bons resultados econômicos e cresciment­o da pobreza

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