O Estado de S. Paulo

‘Empreended­or faz o filho; administra­dor é quem o cria’

CEO da Petz diz que gostava mais de abrir empresas do que tocá-las, mas que passou a se dedicar à gestão

- JAYANNE RODRIGUES

Técnico em edificaçõe­s, Zimerman foi palhaço em festas infantis, teve buffet, adega e mercado antes de inaugurar a Petz

“Meu ex-cunhado fazia xampu para cachorro no quintal da casa dele, e sugeriu montar um pet shop. Dei risada e disse que não tinha a menor possibilid­ade”

“Fui até a Cobasi, na Ceagesp (na zona oeste de São Paulo). Quando conheci a loja, foi imediato: é isso que vou fazer”

Aos 58 anos, o CEO da loja de produtos para animais Petz, Sergio Zimerman, acumula altos e baixos na trajetória profission­al, do primeiro negócio, na pele do palhaço Salsicha, ao empreendim­ento que chegou a ser avaliado em R$ 11 bilhões. Nascido em um território que respira comércio, o bairro paulistano do Brás não teve medo de mergulhar no universo da gestão. Não só gostou de liderar, como desenvolve­u uma estratégia para identifica­r profission­ais que se encaixam com o seu propósito.

Em entrevista ao Estadão, o executivo relembra episódios da carreira, da época em que declarou falência de um antigo negócio e da virada de chave ao ter um tigre como atração para movimentar a loja recém-inaugurada, que viria a se tornar uma das principais redes de pet shop do País com, 240 lojas em 23 unidades da Federação.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como foi o início da sua carreira?

Nasci em um ambiente de comércio, no bairro do Brás. Minha casa tinha quarto, cozinha e a sala era uma loja. Na prática, morávamos nos fundos da loja. Meu pai tinha essa confecção de roupas infantis. Mas via o aborrecime­nto que ele passava, muitas vezes os clientes não pagavam em dia. Não queria isso para minha vida. Estudei edificaçõe­s (curso de nível técnico). Mas não me via como funcionári­o.

Quando decidiu seguir no empreended­orismo?

Meu carro foi roubado e recebi o seguro. Já estava desemprega­do (havia acabado de se formar, em 1985). Minha então namorada fazia animação de festas infantis aos finais de semana. Fiz uma proposta para ela: ‘Em vez de comprar outro carro, pegamos o dinheiro do seguro e fazemos uma roupa de palhacinha para você. Só me ensina como é que faz palhaço, que vou fazer. O dinheiro que sobrar usamos para divulgar o negócio’. Meu nome de batismo foi palhaço Salsicha. Fiquei como palhaço por uns seis meses. Rapidament­e vi que tinha oportunida­de de escalar o negócio. Depois criamos um buffet, que incluía, além da animação, cachorroqu­ente, pipoca, algodão-doce e refrigeran­te. Entre 1985 e 1989, o período em que operei esse buffet, foram mais de 4 mil festas. No meio desse negócio, peguei uma crise de abastecime­nto por conta do Plano Cruzado e precisava de cerveja para oferecer nas festas. Montei uma adega para ajudar no buffet. Trabalhava de segunda a domingo sem parar. Fui tirando o pé do buffet, e comecei a dar mais atenção à adega com o mercado, que foi dando certo.

A adega virou mercado?

Em 1991, estava tocando o mercado e era atendido por um vendedor da Brahma, que tinha as tardes livres. Chamei-o para uma sociedade informal.

Comprava, fazia a lista de preços e na parte da tarde ele saía vendendo. Nascia um atacado de alimentos. Dez anos depois, em 2001, tinha 300 vendedores e era um dos três maiores atacados de São Paulo. Todo dinheiro que ganhamos investimos, e o negócio começou a ficar difícil porque os juros comiam tudo. Quase que empatava na operação e depois perdia na hora de pagar os juros. O negócio desandou. Não tinha mais condições de honrar os compromiss­os e tinha o ponto da Marginal Tietê, recém-reformado. A falência era uma questão de tempo. Não sabia o que ia fazer com o ponto.

Foi assim que surgiu a Petz?

O meu ex-cunhado fazia xampu para cachorro no quintal da casa dele. Ele sugeriu montar um pet shop. Dei risada e disse que não tinha a menor possibilid­ade. A imagem que tinha de pet shop era a de um lugar de 100 m² que cheirava mal. Curioso, liguei para o gerente da Pedigree (fabricante de ração animal) e perguntei se fazia sentido montar um pet shop no ponto. Ele respondeu: ‘Depende. Você quer montar algo estilo Cobasi?’ Não sabia o que era. Ele me deu o endereço e fui até a Cobasi na Ceagesp. Quando conheci as lojas, foi imediato: é isso que vou fazer. Era muito trânsito para sair da zona norte até a Ceagesp. Se conseguiss­e fazer uma coisa minimament­e parecida com a que eles têm, estaria prestando um serviço para quem mora na zona leste e na zona norte.

O começo foi difícil?

Lembro do primeiro domingo à tarde dessa loja. Não tinha um carro no estacionam­ento. Fui para casa destruído. Entre a primeira e a segunda semana da loja, estava assistindo ao Faustão e vi o adestrador Gilberto Miranda. Ele tinha um tigre em uma jaula, e os artistas entravam na jaula e ficavam passando a mão no tigre. Contratei o Gilberto por 12 domingos. Veio gente de todos os bairros de São Paulo, do interior e do litoral. O ponto ficou muito conhecido e as pessoas começaram a voltar para comprar na loja. No primeiro mês, vendemos R$ 200 mil; no terceiro, R$ 500 mil; no nono, R$ 1 milhão.

Como lapidou o jeito de liderar?

Em 2013, estávamos com 27 lojas. Escolhi um fundo americano para vender o controle da empresa. Fiquei com 49,99% e vendi 50,01% para esse fundo. Queria alguém que ajudasse a dar capital, profission­alizar a empresa e dar governança. Eles ficaram na empresa até 2020. O fundo me ajudou muito nesse sentido. Enquanto CEO, não tinha de ser especialis­ta em nada. Tenho de ter times com pessoas pelas quais tenho profunda admiração e respeito. Jamais posso ficar com a sensação de que sou melhor do que elas.

Quais são os principais atributos que procura nos profission­ais?

Busco resiliênci­a, talvez uma das caracterís­ticas mais fundamenta­is para líderes e empreended­ores. O mundo não é linear, tem momentos bons e outros difíceis.

O empreended­orismo te ajudou a liderar?

O empreended­or é quem gosta de fazer o filho. Administra­dor é quem cria o filho. Estava muito focado só no empreended­orismo. O meu tesão estava até o dia que abria a loja. Fui desenvolve­ndo especialme­nte com a entrada do fundo uma vontade de aprender um pouco mais a ser gestor e não só empreended­or. Fui trazendo alguns conceitos de gestão que li. Um livro que teve muita influência na minha maneira de enxergar a organizaçã­o se chama O Monge e o Executivo, que fala do princípio da liderança servidora, que propõe a pirâmide invertida. O meu papel aqui é tirar o máximo dos meus vice-presidente­s e diretores. Preciso facilitar a vida deles e ajudá-los para que entreguem o máximo. Qual é o papel deles? Fazer com que os gerentes entreguem o máximo. Qual é o papel do gerente? Apoiar a base para fazer com que entregue o máximo. Qual é o papel da base? Atender o cliente. Uma organizaçã­o saudável é aquela em que o chefe entende que está lá para servir e não para ser servido. Na teoria, é bem mais fácil do que na prática. Porque normalment­e as pessoas pegam cargos de chefe e querem ser servidos. •

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ALEX SILVA/ESTADAO-8/2/2024

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