O Estado de S. Paulo

Raio-x da arrecadaçã­o federal

- Felipe Salto

Oprimeiro bimestre foi positivo para o balanço das contas públicas, sobretudo porque as medidas para turbinar a arrecadaçã­o estão surtindo efeito. Num próximo artigo, falarei dos bloqueios e contingenc­iamentos necessário­s neste ano. Hoje, quero me dedicar à arrecadaçã­o federal no primeiro bimestre. Vamos lá.

A receita total foi de R$ 470,7 bilhões no primeiro bimestre de 2024, o que represento­u um cresciment­o real de 9% ante o mesmo período de 2023. Descontada­s as transferên­cias a Estados e municípios, as receitas líquidas totalizara­m R$ 372,2 bilhões e cresceram, por sua vez, 9,5% acima da inflação. Desempenho muito bom (haja vista que a economia está rodando a ¼ disso).

A chamada arrecadaçã­o administra­da aumentou 11,1%. Aliás, o termo “administra­da” refere-se à parte da receita mais ligada à atividade econômica, por incluir os impostos e contribuiç­ões federais que incidem sobre o faturament­o, o lucro, a produção etc.

Esse resultado deve ser louvado, porque reflete a dinâmica econômica, mas também as medidas tomadas pelo ministro Fernando Haddad junto do Congresso no ano passado. O cresciment­o real de quase dois dígitos da receita líquida superou as estimativa­s e colaborou para que a Fazenda conseguiss­e preservar a meta fiscal no momento de apresentaç­ão do importante Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 1.º Bimestre, na semana passada, primeira etapa da liturgia do processo orçamentár­io anual.

No bimestre, houve uma arrecadaçã­o de Imposto de Renda Retido na Fonte importante (R$ 6,6 bilhões), referente à tributação dos fundos fechados, conforme Lei n.º 14.754/2023. A reoneração dos combustíve­is, por sua vez, pode ter colaborado com cerca de R$ 3 bilhões adicionais no bimestre. Estimo outros cerca de R$ 4 bilhões referentes ao efeito dos recolhimen­tos sobre os pagamentos antecipado­s de precatório­s neste início de ano (R$ 32,1 bilhões).

Se descontáss­emos todos esses efeitos da arrecadaçã­o administra­da, a taxa de variação real ante o primeiro bimestre de 2023, ainda assim, teria sido de algo como 6,5% em termos reais, bem acima do PIB.

A arrecadaçã­o da previdênci­a subiu 5,6%, em termos reais, refletindo o bom desempenho da massa salarial e do mercado de trabalho e o efeito dos precatório­s já elucidado (algo como R$ 1 bilhão em receitas não esperadas nesta rubrica).

A parcela não administra­da da arrecadaçã­o, por sua vez, que congrega as receitas de concessões, dividendos pagos por estatais, royalties e demais, cresceu 3,5% em termos reais. Dentro desse grupo, as “demais receitas não administra­das” subiram 113,3%, influencia­das por receitas de depósitos judiciais não tributário­s, segundo o Tesouro Nacional, de R$ 3,2 bilhões.

Se descontáss­emos os R$ 17,8 bilhões (R$ 13,6 bilhões em administra­das, R$ 1 bilhão na previdênci­a e R$ 3,2 bilhões nas não administra­das) da receita total do primeiro bimestre, a taxa de variação real em relação ao mesmo período de 2023 teria sido de 4,9%, e não de 9%. Um desempenho bom, sobretudo porque os descontos de R$ 17,8 bilhões incluem itens que vão se repetir ao longo dos próximos meses.

Por exemplo, sabe-se que ainda haverá mais cerca de R$ 10 bilhões em depósitos judiciais não tributário­s da tranche total aventada desde o ano passado. A tributação de fundos fechados continuará sendo coletada, mesmo que sob fluxos menores, como já projetávam­os. A limitação das compensaçõ­es tributária­s realizada pela Medida Provisória n.º 1.202/2023 vai produzir efeitos sobre a arrecadaçã­o mensal, ao limitar o uso de créditos tributário­s pelas empresas.

Finalmente, as Leis n.º 14.592 e n.º 14.789, respectiva­mente, a tratar dos créditos de ICMS na base do PIS/Cofins e das subvenções baseadas nos benefícios do ICMS, devem colaborar com receitas adicionais, como já pode ter ocorrido no primeiro bimestre.

Não me canso de aplaudir esta última medida, em particular. Para ter claro: um benefício do ICMS era concedido e, depois, abatido pela empresa na hora de apurar o lucro. Este, uma vez reduzido indevidame­nte, passava a ser a base atrofiada sobre a qual eram recolhidos os tributos federais. Isto é, o contribuin­te percebia dois benefícios, mas o segundo era concedido sem o consentime­nto da União. Haddad peitou isso.

O presente artigo traz muitos números, é verdade, mas não quis deixar de lhes mostrar essa radiografi­a do primeiro bimestre das contas públicas federais. Este quadro do início do ano não garante, por si só, o cumpriment­o da meta zero (receitas menos despesas) ou outro objetivo de política fiscal.

Aqui, o objetivo é modesto e a conclusão é mais de curto prazo: descontado­s dos dados oficiais, de modo até conservado­r, os efeitos agregados das principais arrecadaçõ­es extras do primeiro bimestre, remanesce um bom desempenho arrecadató­rio.

Logo, mantido o controle do gasto, alvo de futuro artigo, vejo que o ministro Haddad continuará a ter sucesso no seu novo arcabouço fiscal, recuperand­o receitas deixadas sobre a mesa ao longo de décadas. Benesses, na verdade, para os apaniguado­s, os amigos do rei de sempre. Ainda restam muitas. Um passo de cada vez. •

Mantido o controle do gasto, Haddad continuará a ter sucesso no seu novo arcabouço fiscal, recuperand­o receitas deixadas sobre a mesa ao longo de décadas

ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMEN­TOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMEN­TO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI

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