Quase 1/6 do Congresso pretende disputar prefeituras neste ano
Levantamento do ‘Estadão’ mostra que 96 congressistas se dizem pré-candidatos em 66 cidades; PL e PT puxam a fila
“Agora, serão eleitos os cabos eleitorais para 2026. Ninguém consegue voto só atuando em Brasília, o eleitor não está lá. Está no território, no bairro, no município” Mayra Goulart
Professora da UFRJ
“O PT e o PL possuem um desafio e uma responsabilidade nesta eleição municipal. Eles fazem com que diversas prefeituras, a partir da relevância política de cada uma delas, sejam disputadas por parlamentares que possuem uma certa experiência política” Leandro Gabiati
Doutor em Ciência Política da UnB
A pouco mais de seis meses das eleições municipais, quase um sexto do Congresso Nacional afirma que pretende disputar prefeituras em outubro. Segundo levantamento feito pelo Estadão, as bancadas de PL e PT, as maiores da Câmara dos Deputados, registram o maior número de parlamentares que se apresentam como pré-candidatos a Executivos municipais em 2024. A reportagem procurou todos os 513 deputados e os 81 senadores entre os dias 19 de fevereiro e 11 de março, e contabilizou 96 congressistas pré-candidatos em 66 cidades – são 94 deputados e dois senadores.
Segundo analistas ouvidos pela reportagem, as eleições municipais desempenham papel estratégico na articulação política do País e, neste ano, ganham maior relevância para os partidos de Lula e Bolsonaro. Entre petistas, o pleito pode ser um indicativo da aprovação da gestão federal, que hoje enfrenta sinais de desgaste. Para os bolsonaristas, vai testar o capital político do ex-presidente, inelegível até 2030. Às duas legendas interessa a projeção de prefeitos nas principais cidades, que poderão atuar como cabos eleitorais na sucessão presidencial em 2026.
Deputados estão empenhados nas disputas tanto de capitais quanto de colégios eleitorais estratégicos, em municípios com mais de 100 mil habitantes. Todos os números levantados pelo Estadão podem mudar, pois os nomes precisam ser apresentados e aprovados até agosto, nas convenções partidárias. Além disso, negociações políticas e arranjos regionais podem incluir ou retirar candidaturas.
Dos 96 deputados do PL, 23 disseram que pretendem disputar algum Executivo municipal em outubro. Entre os 68 petistas que integram a bancada do partido na Câmara, 19 disseram ser pré-candidatos. Dos 23 pré-candidatos do PL, nove devem disputar capitais e 14 almejam prefeituras de municípios do interior dos Estados. Dos 19 pré-candidatos do PT, nove podem concorrer em capitais e dez pretendem competir no interior dos Estados. A terceira sigla com mais parlamentares pré-candidatos é o União Brasil, com dez.
‘PRESENÇA SOCIAL’. Coordenador do Grupo de Trabalho Eleitoral do PT, o senador Humberto Costa (PE) disse que o partido tem, até o momento, 88 candidaturas definidas em cidades com mais de 100 mil eleitores, sem considerar somente congressistas. Até a eleição municipal, esse número pode chegar a 128, a depender das articulações do PT com outros partidos.
“Entre essas candidaturas, existem parlamentares federais, estaduais e vereadores que estão deixando a vereança para disputar prefeitura. Não estabelecemos nenhuma meta com relação a essa questão de deputados estarem disputando pleito municipal. Geralmente, o deputado é alguém que, naquele município, teve votação expressiva e tem uma presença social e um mandato forte naquela região”, afirmou.
Segundo o senador, a candidatura de parlamentares não faz parte de uma estratégia do partido, mas pode favorecer o a legenda. “Para nós, é bom. Garante uma votação boa, mínima, para essas candidaturas e, provavelmente, puxa também a eleição de vereadores. Não é uma estratégia nossa ter os deputados como candidatos. É uma coincidência.”
O Estadão procurou o PL, mas não obteve resposta.
A eleição de prefeitos e vereadores costuma estar ligada ao contexto local, com pautas mais próximas ao dia a dia do eleitor. Em 2024, porém, segundo analistas, a disputa nacional promete ter um peso nos pleitos municipais, com candidatos ao Executivo replicando a polarização que marcou a eleição de 2022.
No fim de janeiro, Lula afirmou que o País está polarizado e disse que isso é “bom” para o debate nas eleições municipais. “Aqui no Brasil vai ter polarização, e eu acho bom que tenha, nós somos uma sociedade viva”, disse o presidente durante entrevista à rádio CBN Recife. “A polarização sempre vai existir. Não tem jeito”, disse o petista.
PRESIDÊNCIA. A professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada, Mayra Goulart, afirmou que as eleições deste ano são estratégicas para o próximo pleito presidencial. “Agora, serão eleitos os cabos eleitorais para 2026. Essa entrada no território é uma peça fundamental de uma eleição. Ninguém consegue voto só atuando em Brasília, o eleitor não está lá. Está no território, no bairro, no município.”
Para ela, PT e PL escolhem nomes considerados fortes no pleito municipal justamente para manter a imagem do partido forte e capilarizado. “Por que é importante para o PL que o Delegado Ramagem dispute a prefeitura do Rio de Janeiro?
E para o PT, a Maria do Rosário (em Porto Alegre)? Porque isso mantém o nome do partido vivo naquele município e, colocando um grande nome, você atrai mais atenção.”
Na avaliação do doutor em Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Leandro Gabiati, os partidos de Lula e Bolsonaro são as principais forças políticas do País atualmente e, por isso, as legendas preparam candidatos que já foram testados nas urnas. “O PT e o PL possuem um desafio e uma responsabilidade nesta eleição municipal. Eles orientam e fazem com que diversas prefeituras, a partir da relevância política de cada uma delas, sejam disputadas por parlamentares que possuem uma certa experiência política”, afirmou Gabiati.
REJEIÇÃO. Mayra Goulart disse ver na polarização uma “simplificação” do debate político. “O espaço político é plural. Ele fica resumido, simplificado, em duas forças. Isso ajuda na hora de o eleitor fazer sua opção por uma força ou pela outra. Então, a polarização é uma simplificação que ajuda esses partidos a se aproximar do eleitor com uma abordagem mais simples: a partir da rejeição do outro”, afirmou a professora.
Deputados do PT e do PL devem ter confronto direto, por exemplo, em Feira de Santana (BA), onde Zé Neto (PT) tentará conquistar novamente o comando local contra Capitão Alden (PL). Os deputados Luizianne Lins (PT) e André Fernandes (PL) também já avisaram aos respectivos partidos o interesse de concorrer à prefeitura de Fortaleza (CE). Outra capital que terá dois congressistas disputando o pleito municipal é Goiânia, onde Gustavo Gayer (PL) e Adriana Accorsi (PT) são pré-candidatos.
Em Natal (RN), há uma disputa interna no partido de Bolsonaro para escolher o nome do PL. Os deputados General Girão e Sargento Gonçalves buscam apoio para consolidar suas candidaturas. O indicado deve vai enfrentar a deputada Natália Bonavides (PT).
Também há deputados que pretendem disputar o cargo de vice-prefeito. Esses casos em que o parlamentar não é cotado para a cabeça de chapa não foram contabilizados na estimativa de pré-candidaturas no levantamento do Estadão . • GABRIEL DE SOUSA, JULIANO GALISI, KARINA FERREIRA
e RAYANDERSON GUERRA