‘Deboche’ e desgaste fizeram Lula aceitar crítica a Maduro
A reação crítica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva à exclusão de opositores do processo eleitoral na Venezuela foi determinada pelo próprio petista, disseram integrantes do Planalto e do Itamaraty ao Estadão. A decisão foi tomada em razão da frustração com a falta de compromisso da ditadura chavista com a realização de eleições livres e do desgaste político provocado pelo apoio de Lula a Nicolás Maduro.
O comunicado de terça-feira, respondido com acidez pela chancelaria venezuelana, marcou uma inflexão nos seguidos gestos de apoio político e votos de confiança do Brasil. O texto foi redigido pelo
Itamaraty, em coordenação com o Palácio do Planalto, e revisado pessoalmente por Lula, antes de se tornar público.
Integrantes do Planalto já admitiam o desgaste político de Lula após seguidas declarações de confiança em Maduro. Um interlocutor de Lula lembrou ao Estadão que a defesa da ditadura teve peso na perda de popularidade do presidente, indicada em ao menos três pesquisas, e resultou na diminuição do espaço político e diplomático para relativizar os “abusos” do chavismo.
Desde que voltou ao Planalto, Lula recebeu Maduro com pompas em Brasília, durante encontro de líderes sul-americanos, o que foi criticado até por governos de esquerda da região. Em dezembro, o Itamaraty teve de agir para intermediar uma crise provocada por Caracas ao tentar anexar uma parte da Guiana.
Em sua última defesa de Maduro, Lula falou em “presunção de inocência”, apesar da prisão de opositores e de assessores de María Corina Machado,
a principal líder antichavista, barrada da eleição de julho. A declaração de que a oposição venezuelana deveria “parar de chorar” repercutiu mal para a imagem de Lula. María Corina, num gesto considerado “genial” dentro do governo Lula, escolheu uma homônima como substituta – Corina Yoris.
A virada crítica foi discutida na tarde de segunda-feira, durante conversa entre Lula, o chanceler, Mauro Vieira, e o assessor especial, Celso Amorim, segundo fontes com acesso às discussões travadas no Palácio do Planalto e no Itamaraty. Foi quando Lula decidiu que “não dava mais” para deixar de se posicionar. Ele pediu, porém, aos auxiliares que aguardassem o fim do prazo de registros de candidatura na Venezuela.
Repressão chavista Governo brasileiro não tinha mais como sustentar seu apoio ao regime venezuelano
Yoris não conseguiu inscrever sua candidatura e diplomatas envolvidos na redação do texto disseram que a falta de explicações do chavismo sobre as supostas “falhas” na internet, que teriam impedido o registro, foram percebidas como “requintes de deboche”.
Para analistas, a recusa de Maduro em aceitar uma disputa limpa tornou a posição de Lula insustentável. “A aposta do governo era tentar trazer Maduro para perto novamente, para ajudar a costurar uma transição pacífica”, afirma a professora de relações internacionais da Unifesp Carolina Pedroso. “O governo esperou enquanto foi possível.”
Para Mauricio Santoro, cientista político e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, ficou claro que a eleição de julho na Venezuela se transformou em um “ritual de consagração” de Maduro, o que pode causar ainda mais prejuízos para Lula. “O senso comum diz que diplomacia não dá voto, mas o mundo mudou”, disse. “Pode até não dar voto, mas tira voto.”
Santoro acredita que parte do eleitorado via em Lula uma trincheira contra o autoritarismo, o que não combina com a defesa de ditaduras. “Esse impacto é ainda maior, porque muitos votaram em Lula menos por adesão ao programa político e mais porque viram nele uma alternativa a um projeto autoritário. A frustração com a defesa de regimes autoritários, portanto, acaba sendo natural.”