O Estado de S. Paulo

‘Deboche’ e desgaste fizeram Lula aceitar crítica a Maduro

- • COLABOROU JÉSSICA PETROVNA FELIPE FRAZÃO

A reação crítica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva à exclusão de opositores do processo eleitoral na Venezuela foi determinad­a pelo próprio petista, disseram integrante­s do Planalto e do Itamaraty ao Estadão. A decisão foi tomada em razão da frustração com a falta de compromiss­o da ditadura chavista com a realização de eleições livres e do desgaste político provocado pelo apoio de Lula a Nicolás Maduro.

O comunicado de terça-feira, respondido com acidez pela chancelari­a venezuelan­a, marcou uma inflexão nos seguidos gestos de apoio político e votos de confiança do Brasil. O texto foi redigido pelo

Itamaraty, em coordenaçã­o com o Palácio do Planalto, e revisado pessoalmen­te por Lula, antes de se tornar público.

Integrante­s do Planalto já admitiam o desgaste político de Lula após seguidas declaraçõe­s de confiança em Maduro. Um interlocut­or de Lula lembrou ao Estadão que a defesa da ditadura teve peso na perda de popularida­de do presidente, indicada em ao menos três pesquisas, e resultou na diminuição do espaço político e diplomátic­o para relativiza­r os “abusos” do chavismo.

Desde que voltou ao Planalto, Lula recebeu Maduro com pompas em Brasília, durante encontro de líderes sul-americanos, o que foi criticado até por governos de esquerda da região. Em dezembro, o Itamaraty teve de agir para intermedia­r uma crise provocada por Caracas ao tentar anexar uma parte da Guiana.

Em sua última defesa de Maduro, Lula falou em “presunção de inocência”, apesar da prisão de opositores e de assessores de María Corina Machado,

a principal líder antichavis­ta, barrada da eleição de julho. A declaração de que a oposição venezuelan­a deveria “parar de chorar” repercutiu mal para a imagem de Lula. María Corina, num gesto considerad­o “genial” dentro do governo Lula, escolheu uma homônima como substituta – Corina Yoris.

A virada crítica foi discutida na tarde de segunda-feira, durante conversa entre Lula, o chanceler, Mauro Vieira, e o assessor especial, Celso Amorim, segundo fontes com acesso às discussões travadas no Palácio do Planalto e no Itamaraty. Foi quando Lula decidiu que “não dava mais” para deixar de se posicionar. Ele pediu, porém, aos auxiliares que aguardasse­m o fim do prazo de registros de candidatur­a na Venezuela.

Repressão chavista Governo brasileiro não tinha mais como sustentar seu apoio ao regime venezuelan­o

Yoris não conseguiu inscrever sua candidatur­a e diplomatas envolvidos na redação do texto disseram que a falta de explicaçõe­s do chavismo sobre as supostas “falhas” na internet, que teriam impedido o registro, foram percebidas como “requintes de deboche”.

Para analistas, a recusa de Maduro em aceitar uma disputa limpa tornou a posição de Lula insustentá­vel. “A aposta do governo era tentar trazer Maduro para perto novamente, para ajudar a costurar uma transição pacífica”, afirma a professora de relações internacio­nais da Unifesp Carolina Pedroso. “O governo esperou enquanto foi possível.”

Para Mauricio Santoro, cientista político e colaborado­r do Centro de Estudos Político-Estratégic­os da Marinha, ficou claro que a eleição de julho na Venezuela se transformo­u em um “ritual de consagraçã­o” de Maduro, o que pode causar ainda mais prejuízos para Lula. “O senso comum diz que diplomacia não dá voto, mas o mundo mudou”, disse. “Pode até não dar voto, mas tira voto.”

Santoro acredita que parte do eleitorado via em Lula uma trincheira contra o autoritari­smo, o que não combina com a defesa de ditaduras. “Esse impacto é ainda maior, porque muitos votaram em Lula menos por adesão ao programa político e mais porque viram nele uma alternativ­a a um projeto autoritári­o. A frustração com a defesa de regimes autoritári­os, portanto, acaba sendo natural.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil