Analistas veem falha em projeto para Estados
Para especialistas, o refinanciamento de débitos dos Estados que investirem em educação não atua no controle de gastos
A proposta apresentada pelo Ministério da Fazenda para aliviar as contas dos Estados não cria os incentivos necessários para que os governadores adotem medidas estruturais para resolver o dilema das contas públicas locais, de acordo com analistas consultados pelo Estadão.
Na terça-feira, a pasta apresentou um programa para refinanciar as dívidas dos Estados com o governo federal mediante o compromisso de investimentos no ensino médio técnico (EMT).
“É um tipo de saída muito complicada, porque não dá os incentivos corretos para os Estados reformarem o que precisam reformar, de ter uma agenda pelo lado dos gastos, de lidar com a rigidez dos gastos”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências.
Batizado de Juros por Educação, o programa marca mais um capítulo nas várias vezes em que a União foi acionada pelos governadores para mitigar os problemas das contas públicas estaduais.
“Independentemente do mérito que é o gasto com educação, já é um modelo que admite que os Estados não vão se ajustar, porque vai se dar um alívio para gastar mais”, diz Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper.
Outro ponto levantado pelos especialistas é que o Brasil já tem um gasto elevado com educação. “O Brasil até gasta mais do que a média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)”, diz Alessandra. O programa foi apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a governadores do Sul e do Sudeste, que elogiaram a proposta.
Hoje, as dívidas dos Estados com a União são corrigidas pela Selic (a taxa básica de juros da economia) ou pela inflação mais 4%. Pelo novo programa, para os Estados que aplicarem ao menos 50% da economia proporcionada pela redução dos juros na ampliação de matrículas a taxa de juros será o IPCA mais 3% ao ano. Para os que aplicarem ao menos 75%, a taxa cai para o IPCA mais 2,5% ao ano. Por fim, para os que aplicarem 100%, a taxa cai para o IPCA mais 2%.
O governo estabeleceu um cronograma de 60 dias para chegar a um acordo com os Estados sobre a proposta, que também precisará passar pelo aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
MUDANÇA DE CENÁRIO. Em 2015 e 2016, na esteira da recessão enfrentada pelo País, muitos Estados deixaram de pagar servidores e ficaram sem recursos para concluir obras públicas. Nos últimos anos, no entanto, o quadro melhorou. Na pandemia, as transferências de recursos foram robustas e houve o congelamento de salários dos servidores. Ao mesmo tempo, os Estados se beneficiaram de uma recuperação mais rápida da atividade econômica e pelo aumento dos preços das commodities no cenário internacional.
Em maio de 2022, diante dessa conjuntura favorável, o superávit primário dos Estados chegou a R$ 102,3 bilhões, ou a 1,1% do PIB, de acordo com números do Banco Central compilados pelo Santander.
Os números mais recentes, no entanto, mostram um cenário bem diferente. Em janeiro deste ano, o superávit dos Estados recuou para R$ 30 bilhões, o que equivale a 0,2% do PIB.
“Os Estados aumentaram os gastos e os investimentos. Houve avanço nas reformas estruturantes ao longo dos últimos anos – com aprovação das reformas da Previdência e administrativa. Mas alguns precisam continuar nesse caminho”, afirma Ítalo Franca, economista do banco Santander. “O grande desafio é ter um ajuste mais estrutural para não ter problema mais à frente.” •
COLABORARAM FERNANDA TRISOTTO/SÃO PAULO e
Desafio Para economista do Santander, desafio é fazer ajuste para não ter problema mais à frente
Era uma questão de tempo a batalha judicial contra a medida do governo federal que limitou a compensação de créditos tributários obtidos em ações de empresas na Justiça, em decisões transitadas em julgado, ou seja, que não admitem mais nenhum recurso. As primeiras sentenças já começaram a sair, em placar ligeiramente desfavorável ao governo, e – levando em conta tratar-se de grandes companhias, por meio das quais a Fazenda esperava garantir mais R$ 24 bilhões na arrecadação deste ano – a tendência é que puxem uma longa fila de litigantes.
Até mesmo as catracas do Ministério da Fazenda deviam esperar uma reação como essa, a despeito do tom quase de súplica do ministro Fernando Haddad ao anunciar, no fim do ano passado, o teor da Medida Provisória (MP) 1.202, que entrou em vigor em janeiro. “Assim como as empresas precisam se planejar, o Estado precisa se planejar também”, disse o ministro. Aí é que está: as empresas se planejaram de acordo com as causas tributárias ganhas na Justiça. Um revés com efeito retroativo como este acaba com qualquer planejamento.
O compreensível desespero da equipe econômica para reduzir o buraco das contas públicas e manter inalterada – ao menos por enquanto – a meta de zerar o déficit fiscal não justifica a adoção de medidas do tipo “devo, não nego, pago quando puder”, como o proposto na MP. Pela canetada, o governo limitou em R$ 10 milhões por mês o teto que empresas podem compensar em seus pagamentos de tributos. São 495 empresas com créditos entre pouco mais de R$ 10 milhões até mais de R$ 1 bilhão e que ganharam disputas judiciais contra o Fisco.
As pendengas judiciais são diversas e o governo federal tenta na Justiça evitar, por exemplo, que valores recolhidos a mais no ICMS, um imposto estadual, sejam compensados em tributos federais como PIS/Cofins. Questões meritórias à parte, com a MP a Fazenda na prática decidiu de forma unilateral e retroativa a respeito dos benefícios compensatórios. Para fechar as contas do ano, a equipe econômica propôs que o valor que ultrapasse os R$ 10 milhões seja compensado ao longo de até cinco anos.
A medida de Haddad foi comparada pelo ex-deputado Rodrigo Maia, hoje presidente do Conselho de Representantes da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), à chamada “PEC do Calote”, elaborada por Paulo Guedes, então ministro da Economia do governo Bolsonaro, que também limitou o pagamento de bilhões em precatórios devidos pela União para reduzir o rombo no Orçamento.
Na essência, a pedalada é a mesma. Na época, Guedes argumentou que iria disparar um míssil para abater um meteoro. Acabou provocando uma chuva de meteoros que desabou no primeiro ano do governo Lula, com o pagamento de R$ 92 bilhões das sentenças judiciais. Quando o martelo da Justiça é batido em última instância, sem cabimento de recurso, sabe-se quem é credor, quem é devedor e o valor devido. Postergar o pagamento não elimina a dívida e a história recente mostra que pedaladas podem levar a consequências desastrosas. •