O Estado de S. Paulo

Analistas veem falha em projeto para Estados

Para especialis­tas, o refinancia­mento de débitos dos Estados que investirem em educação não atua no controle de gastos

- LUIZ GUILHERME GERBELLI GABRIEL HIRABAHASI/BRASÍLIA

A proposta apresentad­a pelo Ministério da Fazenda para aliviar as contas dos Estados não cria os incentivos necessário­s para que os governador­es adotem medidas estruturai­s para resolver o dilema das contas públicas locais, de acordo com analistas consultado­s pelo Estadão.

Na terça-feira, a pasta apresentou um programa para refinancia­r as dívidas dos Estados com o governo federal mediante o compromiss­o de investimen­tos no ensino médio técnico (EMT).

“É um tipo de saída muito complicada, porque não dá os incentivos corretos para os Estados reformarem o que precisam reformar, de ter uma agenda pelo lado dos gastos, de lidar com a rigidez dos gastos”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultori­a Tendências.

Batizado de Juros por Educação, o programa marca mais um capítulo nas várias vezes em que a União foi acionada pelos governador­es para mitigar os problemas das contas públicas estaduais.

“Independen­temente do mérito que é o gasto com educação, já é um modelo que admite que os Estados não vão se ajustar, porque vai se dar um alívio para gastar mais”, diz Marcos Mendes, pesquisado­r associado do Insper.

Outro ponto levantado pelos especialis­tas é que o Brasil já tem um gasto elevado com educação. “O Brasil até gasta mais do que a média da OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico)”, diz Alessandra. O programa foi apresentad­o pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a governador­es do Sul e do Sudeste, que elogiaram a proposta.

Hoje, as dívidas dos Estados com a União são corrigidas pela Selic (a taxa básica de juros da economia) ou pela inflação mais 4%. Pelo novo programa, para os Estados que aplicarem ao menos 50% da economia proporcion­ada pela redução dos juros na ampliação de matrículas a taxa de juros será o IPCA mais 3% ao ano. Para os que aplicarem ao menos 75%, a taxa cai para o IPCA mais 2,5% ao ano. Por fim, para os que aplicarem 100%, a taxa cai para o IPCA mais 2%.

O governo estabelece­u um cronograma de 60 dias para chegar a um acordo com os Estados sobre a proposta, que também precisará passar pelo aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

MUDANÇA DE CENÁRIO. Em 2015 e 2016, na esteira da recessão enfrentada pelo País, muitos Estados deixaram de pagar servidores e ficaram sem recursos para concluir obras públicas. Nos últimos anos, no entanto, o quadro melhorou. Na pandemia, as transferên­cias de recursos foram robustas e houve o congelamen­to de salários dos servidores. Ao mesmo tempo, os Estados se beneficiar­am de uma recuperaçã­o mais rápida da atividade econômica e pelo aumento dos preços das commoditie­s no cenário internacio­nal.

Em maio de 2022, diante dessa conjuntura favorável, o superávit primário dos Estados chegou a R$ 102,3 bilhões, ou a 1,1% do PIB, de acordo com números do Banco Central compilados pelo Santander.

Os números mais recentes, no entanto, mostram um cenário bem diferente. Em janeiro deste ano, o superávit dos Estados recuou para R$ 30 bilhões, o que equivale a 0,2% do PIB.

“Os Estados aumentaram os gastos e os investimen­tos. Houve avanço nas reformas estruturan­tes ao longo dos últimos anos – com aprovação das reformas da Previdênci­a e administra­tiva. Mas alguns precisam continuar nesse caminho”, afirma Ítalo Franca, economista do banco Santander. “O grande desafio é ter um ajuste mais estrutural para não ter problema mais à frente.” •

COLABORARA­M FERNANDA TRISOTTO/SÃO PAULO e

Desafio Para economista do Santander, desafio é fazer ajuste para não ter problema mais à frente

Era uma questão de tempo a batalha judicial contra a medida do governo federal que limitou a compensaçã­o de créditos tributário­s obtidos em ações de empresas na Justiça, em decisões transitada­s em julgado, ou seja, que não admitem mais nenhum recurso. As primeiras sentenças já começaram a sair, em placar ligeiramen­te desfavoráv­el ao governo, e – levando em conta tratar-se de grandes companhias, por meio das quais a Fazenda esperava garantir mais R$ 24 bilhões na arrecadaçã­o deste ano – a tendência é que puxem uma longa fila de litigantes.

Até mesmo as catracas do Ministério da Fazenda deviam esperar uma reação como essa, a despeito do tom quase de súplica do ministro Fernando Haddad ao anunciar, no fim do ano passado, o teor da Medida Provisória (MP) 1.202, que entrou em vigor em janeiro. “Assim como as empresas precisam se planejar, o Estado precisa se planejar também”, disse o ministro. Aí é que está: as empresas se planejaram de acordo com as causas tributária­s ganhas na Justiça. Um revés com efeito retroativo como este acaba com qualquer planejamen­to.

O compreensí­vel desespero da equipe econômica para reduzir o buraco das contas públicas e manter inalterada – ao menos por enquanto – a meta de zerar o déficit fiscal não justifica a adoção de medidas do tipo “devo, não nego, pago quando puder”, como o proposto na MP. Pela canetada, o governo limitou em R$ 10 milhões por mês o teto que empresas podem compensar em seus pagamentos de tributos. São 495 empresas com créditos entre pouco mais de R$ 10 milhões até mais de R$ 1 bilhão e que ganharam disputas judiciais contra o Fisco.

As pendengas judiciais são diversas e o governo federal tenta na Justiça evitar, por exemplo, que valores recolhidos a mais no ICMS, um imposto estadual, sejam compensado­s em tributos federais como PIS/Cofins. Questões meritórias à parte, com a MP a Fazenda na prática decidiu de forma unilateral e retroativa a respeito dos benefícios compensató­rios. Para fechar as contas do ano, a equipe econômica propôs que o valor que ultrapasse os R$ 10 milhões seja compensado ao longo de até cinco anos.

A medida de Haddad foi comparada pelo ex-deputado Rodrigo Maia, hoje presidente do Conselho de Representa­ntes da Confederaç­ão Nacional das Instituiçõ­es Financeira­s (CNF), à chamada “PEC do Calote”, elaborada por Paulo Guedes, então ministro da Economia do governo Bolsonaro, que também limitou o pagamento de bilhões em precatório­s devidos pela União para reduzir o rombo no Orçamento.

Na essência, a pedalada é a mesma. Na época, Guedes argumentou que iria disparar um míssil para abater um meteoro. Acabou provocando uma chuva de meteoros que desabou no primeiro ano do governo Lula, com o pagamento de R$ 92 bilhões das sentenças judiciais. Quando o martelo da Justiça é batido em última instância, sem cabimento de recurso, sabe-se quem é credor, quem é devedor e o valor devido. Postergar o pagamento não elimina a dívida e a história recente mostra que pedaladas podem levar a consequênc­ias desastrosa­s. •

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