Escultor criou obras que desafiam o espaço público
Richard Serra Jogos de equilíbrio, peso do aço e altura das peças dialogam com o entorno ao gerar sensação de insegurança e vertigem
Conhecido por suas esculturas de grandes dimensões e geometria fluida, que propõem uma integração peculiar com o espaço à sua volta, o artista americano Richard Serra morreu na noite de terça-feira, 26, em sua casa em Nova York, nos Estados Unidos. A causa da morte foi uma pneumonia. Serra estava com 85 anos.
As obras de Serra, além de se integrarem à arquitetura do ambiente, exigem que seus visitantes as percorram em toda a sua extensão para que possam compreendê-las por completo. São características de suas criações imensos corredores inclinados, elipses, placas e espirais de aço.
Serra nasceu em São Francisco, na Califórnia, filho de mãe de origem judia-russa e pai espanhol. Cursou literatura inglesa na Universidade da Califórnia, antes de ser admitido em Yale para estudar artes plásticas. Graças a uma bolsa de estudos, ele se mudou para Paris, onde passava quase diariamente pelo local de trabalho do escultor romeno Constantin Brancusi, no Museu Nacional de Arte Moderna. O então aspirante a pintor decidiu dedicar-se à escultura.
No final dos anos 1960, Serra resolveu se mudar para uma Nova York que vivia plena efervescência artística. Para sobreviver, ele criou uma empresa de limpeza de móveis, na qual empregou o compositor Philip Glass como assistente.
Em 1967-1968, publicou como manifesto uma lista de 84 verbos (“envolver”, “apoiar”, “cortar”, “dobrar”...) e 24 elementos de contexto (“gravidade”, “entropia”, “natureza”...) que incluía todos os processos à sua disposição para a realização de uma obra.
Em seus primeiros trabalhos, utilizou borracha, fibra de vidro, látex e néon. Também projetou chumbo derretido entre muros e pisos, como em Splash (1968-1970).
No final da mesma década, Serra criou uma obra fundadora de seu estilo, House of Cards, formada por quatro placas quadradas de chumbo de 122 cm, que permanecem equilibradas com o próprio peso, como em um castelo de cartas.
A partir dos anos 1970, Serra passou a priorizar as instalações em áreas abertas e o aço corten. A escolha desse material não foi arbitrária. Ele conhecia perfeitamente suas características e seu potencial depois de ter trabalhado em uma siderúrgica na juventude.
IMAGINAÇÃO. Serra desenhava esculturas especificamente para os espaços que iriam ocupar e tinha interesse em estudar a interação de suas obras com o meio ambiente. “Certas coisas... ficam gravadas na imaginação e você tem necessidade de se reconciliar com elas”, afirmou o artista em uma entrevista ao apresentador Charlie Rose, no início dos anos 2000.
Os jogos de equilíbrio, o peso do aço e a altura das placas criam no espectador uma sensação de insegurança, de pequenez, de vertigem. E isso faz da fruição de suas obras uma experiência desestabilizadora e, em alguns momentos, irritante.
Uma de suas criações mais polêmicas foi a escultura Tilted Arc, um muro circular de aço com mais de três metros de altura, instalado em 1981 no Federal Plaza, em Nova York. Oito anos após a sua inauguração, a obra foi retirada depois de um abaixo-assinado ter reunido 1.300 assinaturas e inspirado uma ordem judicial para que ela fosse removida.
Uma de suas criações recentes, conjunto de torres sombrias que parecem emergir da areia no deserto do Catar, está isolada nas dunas, acessível apenas em viagem de carro em um ambiente com temperaturas de até 50ºC.
“Quando você observa minhas obras, não se lembra de nenhum objeto. Fica uma experiência, uma passagem. Experimentar uma das minhas peças é sentir uma noção de tempo, do lugar – e reagir a isso. Não é lembrar de um objeto, porque simplesmente não há objeto para reter”, explicou o artista em 2004. •
COM AFP