‘Não é tribunal racial’: pró-reitora de Inclusão rebate críticas
A pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da Universidade de São Paulo (USP), Ana Lúcia Duarte Lanna, rebateu as críticas à banca de heteroidentificação para avaliar candidatos às cotas. “Essa posição que vê as comissões de heteroidentificação como tribunal racial são muito complexas, porque desconhecem o acúmulo de debate em torno dessa questão, indo contra a política de cotas”, disse ao Estadão a professora, à frente do órgão criado em 2022 para cuidar das políticas de diversidade na maior instituição de ensino superior da América Latina.
“Não é um tribunal racial. É assumir que os traços fenótipos estão na base da discriminação e da violência que a população negra sofre no Brasil”, acrescentou. As comissões de heteroidentificação são adotadas pela instituição desde 2023, com o objetivo de coibir fraudes nas autodeclarações.
A pedido da Justiça, a USP apresentou os motivos de ter negado vaga ao candidato Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, em fevereiro. Ele foi aprovado em Medicina por meio das cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI), mas teve a inscrição barrada pela banca. Os avaliadores entenderam que o jovem, que se autodeclara pardo, não apresenta as características fenotípicas de uma pessoa negra. A universidade o descreveu o como “de pele clara”, com “boca e lábios afilados” e disse que o “cabelo raspado” impediu a comissão de identificá-lo adequadamente quando da análise.
Não foi o único questionamento levado à Justiça. O caso é semelhante ao de Glauco do Livramento, de 17 anos, aprovado para Direito, que também teve seu ingresso negado. Segundo a pró-reitora, o total de judicalizações é pequeno
“Todo ano, nós produzimos uma avaliação dos resultados e uma avaliação das políticas, dialogando com Unesp e Unicamp, que são as outras (universidades) estaduais paulistas, e vamos produzindo coletivamente um aprimoramento desse instrumento, que é importante para a construção de um ambiente inclusivo”
Ana Lúcia Duarte Lanna
Pró-reitora da USP
diante do número de candidatos que passam pela análise da banca: 20 ações movidas diante de 2,3 mil avaliações.
Ana Lúcia afirma que os processos são acompanhados pela pró-reitoria em diálogo com a procuradoria jurídica da USP e reafirma que a universidade cumpre as determinações da Justiça. “Eles (equipe da Procuradoria) nos informam os quantitativos e se precisam de algum tipo de esclarecimento para poder responder às demandas do juiz, como deve ser feito democraticamente.”
DISCUSSÃO ACUMULADA. Ela reconhece que o debate sobre como conduzir esse processo é complexo, sobretudo diante das demandas da população parda (cuja identificação fenotípica é mais difícil) e que demanda aperfeiçoamentos. “É uma longa discussão, mas basicamente o que estamos fazendo é seguir toda uma normativa que existe já consolidada, toda uma demanda dos movimentos negros, toda uma discussão acumulada nas universidades”, argumentou.
Desde 2018, quando a maioria das instituições de ensino superior começou a criar comissões de heteroidentificação, estudantes vêm reclamando de “injustiças”. Cursos muito concorridos, como o de Medicina, estão entre os que mais apresentam queixas. São essas carreiras em que há maior pressão contra fraudes, prática que era mais frequente antes de serem criadas as comissões.
De modo geral, as comissões de heteroidentificação em universidades são compostas por docentes e servidores técnicoadministrativos selecionados com critérios de diversidade racial e de gênero. Na USP, alunos da graduação e da pós-graduação indicados pela Coligação dos Coletivos Negros da universidade, e um representante da sociedade civil, também participam. •
Análise do candidato que se autodeclara PPI não é por sua ascendência, mas pelo seu fenótipo