O Estado de S. Paulo

Praga faz plantio de laranja migrar de São Paulo para outros Estados

Produtores buscam áreas livres do greening, doença causada por bactéria que tem infestado os pomares; Mato Grosso do Sul traça estratégia para atrair investimen­tos

- JOSÉ MARIA TOMAZELA

Para escapar do greening, doença que afeta os laranjais, citriculto­res paulistas estão migrando os pomares para Estados ainda livres da praga. Atualmente, o polo citrícola brasileiro está concentrad­o nos Estados de São Paulo, com 77% da produção nacional, Minas Gerais e Paraná. A região está sob forte pressão da doença, causada por uma bactéria transmitid­a pelo psilídeo, inseto parecido com uma cigarrinha. O ataque da bactéria reduz a produção e, em casos extremos, exige a erradicaçã­o dos pomares.

Por ser um Estado ainda livre da doença e com boa oferta de terras, Mato Grosso do Sul tem atraído a atenção para novos investimen­tos do setor. O grupo Cutrale, conglomera­do de empresas que lidera as exportaçõe­s brasileira­s de suco de laranja, vai aplicar R$ 500 milhões no plantio de 5 mil hectares de laranjais no Estado.

O investimen­to será na Fazenda Aracoara, às margens da BR-060, entre a capital Campo Grande e Sidrolândi­a, na região central do Estado. A área vai receber 1,73 milhão de pés de laranja irrigados. O projeto foi anunciado pelo governo do Estado sul-mato-grossense em março do ano passado e confirmado pela Cutrale por meio de nota.

Segundo o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvi­mento, Ciência, Tecnologia e Inovação, Jaime Verruck, a previsão é de que, em alguns anos, o plantio da Cutrale alcance 30 mil hectares em um raio de 150 quilômetro­s, viabilizan­do uma indústria processado­ra de laranja em Mato Grosso do Sul. Inicialmen­te, a laranja viajará para uma fábrica de suco da empresa em São Paulo.

Segundo Verruck, o governo trabalha nessa estratégia há alguns anos, após observar o cresciment­o da praga em São Paulo. “Com o greening afetando a citricultu­ra paulista, identifica­mos essa oportunida­de de produzir a laranja em Mato Grosso do Sul. Nosso trabalho começou com um decreto de defesa vegetal para evitar que a doença entrasse em nosso Estado.”

Em 2019, o greening apareceu em pomares no sudeste do Estado, mas foi rapidament­e confinado e combatido.

Em novembro do ano passado, o governo estadual definiu que todos os produtores de citros com mais de 30 plantas são obrigados a se cadastrar na agência de defesa sanitária animal e vegetal do Estado. “Nos próximos meses, vamos assinar um acordo com o Fundecitru­s (Fundo de Defesa da Citricultu­ra) para desenvolve­r a cadeia produtiva da laranja em Mato Grosso do Sul”, disse Verruck.

Ao mesmo tempo, o governo iniciou contato com investidor­es de São Paulo na área de laranja expondo seus planos. “A Cutrale já havia iniciado, há dois anos, o plantio de 145 hectares de laranja em Sidrolândi­a, a fim de verificar o comportame­nto das variedades. Agora, a previsão é de que lancemos, ainda neste mês de abril, nosso plano de ação para a citricultu­ra”, disse.

Desde 2004, quando foi identifica­do em laranjais na região de Araraquara, o greening tem avançado pelas maiores áreas produtoras do País. De 2005 a 2021, mais de 61 milhões de citros, incluindo laranja, limão e tangerina, que ocupavam 220 mil hectares, foram arrancados devido à alta infestação pela bactéria.

Levantamen­to anual da incidência de greening realizado pelo Fundo de Defesa da Citricultu­ra (Fundecitru­s), formado por citriculto­res e indústrias do setor, indica que a infestação subiu de 24,42%, em 2002, para 38,06% em 2023 em todo o cinturão citrícola de São Paulo e Minas Gerais (Triângulo/sudoeste mineiro).

O cresciment­o de 56% correspond­e a cerca de 77,2 milhões de árvores doentes, de um total de 203 milhões de laranjeira­s em todo o parque, incluindo plantas novas. Foi o sexto ano consecutiv­o de cresciment­o na incidência, que aumentou em todas as regiões. “É um momento bastante delicado. Estamos em uma situação em que o manejo correto é determinan­te para reduzir a incidência”, disse o gerente-geral da Fundecitru­s, Juliano Ayres.

Ainda não há cura conhecida para a doença. Resta ao produtor eliminar as plantas doentes e tentar controlar o psilídeo, inseto parecido com uma cigarrinha.

O pesquisado­r Eduardo Chumbinho de Andrade, chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvi­mento da Embrapa Citros, explica que, antes de iniciar a busca de áreas em outros Estados, a migração da citricultu­ra paulista se deu dentro do próprio Estado. Já no fim da década de 2000, os pomares saíram das regiões de Araraquara, Limeira e Matão, com maior incidência de greening, para outras com índices menores de infestação, como o sudoeste e o noroeste do Estado.

“No entanto, a doença alcançou essas novas fronteiras citrícolas dentro do Estado, e levantamen­tos recentes mostram que as regiões paulistas que tinham baixa incidência agora estão bastante infestadas”, explicou.

A partir disso, a migração para Estados vizinhos com menor risco de greening ganhou espaço na estratégia dos produtores.

Funcionári­os do grupo Junqueira Rodas cuidam de mudas de laranja “Mato Grosso do Sul trouxe mais impacto devido ao volume de investimen­tos, mas temos ouvido produtores que migraram para algumas regiões de Minas Gerais, como o Cerrado mineiro. Por toda sua tradição, São Paulo não vai deixar de ser o centro da citricultu­ra, mas esse

movimento de migração existe e está se acentuando”, disse.

Ele afirmou que no oeste da Bahia já se observa um grande aumento de produção de lima ácida (limão), porque é uma região sem greening. “Temos observado investimen­tos novos na Chapada Diamantina e também no Recôncavo, até por causa da exportação para a Europa.”

Segundo o pesquisado­r, Mato Grosso do Sul oferece a vantagem de as terras ainda serem mais baratas, além da proximidad­e com São Paulo. “Todas as fábricas de suco estão em São Paulo, e é preciso um volume mínimo de produção para ter uma planta processado­ra no local. Por isso, a laranja precisa viajar. De certa forma, a redução no custo de produção compensa os gastos com transporte.”

O grupo Junqueira Rodas, produtor de laranja em municípios do interior de São Paulo, também migrou parte da produção para o Mato Grosso do Sul, como conta o secretário executivo de Meio Ambiente do Estado, Rogério Beretta. “O grupo já tem 1,5 mil hectares plantados em Paranaíba, e agora temos a confirmaçã­o de um novo plantio na região de Naviraí, mais ao sul do Estado.”

A CEO do Grupo Junqueira Rodas, Sarita Junqueira Rodas, confirmou o investimen­to. “Estamos migrando nossa citricultu­ra para áreas mais seguras ou até livres do greening, como é o caso de Paranaíba”, disse. Ela conta que o plantio das mudas de laranja já foi iniciado.

MINAS. Áreas ainda livres do greening em Minas Gerais também atraem citriculto­res paulistas. A Citrícola Lucato, de Limeira, interior de São Paulo, escolheu a região de Campo das Vertentes, entre a Zona da Mata e o sul de Minas, para expandir suas plantações de laranjas, mexericas e tangerinas. “Temos fazendas no interior de São Paulo, mas optamos pela expansão dos pomares em Minas devido à ausência do greening naquela região”, disse o sócio proprietár­io da empresa, Carlos Lucato.

Recentemen­te, a companhia adquiriu mais 300 hectares para instalar novas lavouras. “Meu pai comprou a primeira propriedad­e em Madre de Deus de Minas quando ainda não se falava em greening. Fomos por outras caracterís­ticas, mas calhou que o greening chegou em outras regiões, e lá não tem.”

O Brasil é o maior produtor mundial de suco de laranja, com 17 milhões de toneladas anuais, mais do que o dobro da China, segundo colocado. O valor bruto da produção alcança quase US$ 15 bilhões, e o País domina 70% das exportaçõe­s globais, obtendo receitas anuais acima de US$ 2 bilhões. O suco de laranja é um dos produtos agrícolas mais exportados pelo País.

Na safra 2022/23, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o País exportou 1,09 milhão de toneladas de suco e obteve receita de US$ 2,21 bilhões (R$ 10,9 bilhões). Segundo o Fundecitru­s, São Paulo e Minas Gerais têm 167 milhões de pés em produção em 347 municípios; são 400 mil hectares de pomares espalhados por 10 mil propriedad­es rurais.

“Por toda sua tradição, SP não vai deixar de ser o centro da citricultu­ra, mas esse movimento de migração existe e está se acentuando”

Eduardo Chumbinho de Andrade Embrapa Citrus

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JOEL SILVA/ ESTADÃO - 8/4/2024

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