Praga faz plantio de laranja migrar de São Paulo para outros Estados
Produtores buscam áreas livres do greening, doença causada por bactéria que tem infestado os pomares; Mato Grosso do Sul traça estratégia para atrair investimentos
Para escapar do greening, doença que afeta os laranjais, citricultores paulistas estão migrando os pomares para Estados ainda livres da praga. Atualmente, o polo citrícola brasileiro está concentrado nos Estados de São Paulo, com 77% da produção nacional, Minas Gerais e Paraná. A região está sob forte pressão da doença, causada por uma bactéria transmitida pelo psilídeo, inseto parecido com uma cigarrinha. O ataque da bactéria reduz a produção e, em casos extremos, exige a erradicação dos pomares.
Por ser um Estado ainda livre da doença e com boa oferta de terras, Mato Grosso do Sul tem atraído a atenção para novos investimentos do setor. O grupo Cutrale, conglomerado de empresas que lidera as exportações brasileiras de suco de laranja, vai aplicar R$ 500 milhões no plantio de 5 mil hectares de laranjais no Estado.
O investimento será na Fazenda Aracoara, às margens da BR-060, entre a capital Campo Grande e Sidrolândia, na região central do Estado. A área vai receber 1,73 milhão de pés de laranja irrigados. O projeto foi anunciado pelo governo do Estado sul-mato-grossense em março do ano passado e confirmado pela Cutrale por meio de nota.
Segundo o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação, Jaime Verruck, a previsão é de que, em alguns anos, o plantio da Cutrale alcance 30 mil hectares em um raio de 150 quilômetros, viabilizando uma indústria processadora de laranja em Mato Grosso do Sul. Inicialmente, a laranja viajará para uma fábrica de suco da empresa em São Paulo.
Segundo Verruck, o governo trabalha nessa estratégia há alguns anos, após observar o crescimento da praga em São Paulo. “Com o greening afetando a citricultura paulista, identificamos essa oportunidade de produzir a laranja em Mato Grosso do Sul. Nosso trabalho começou com um decreto de defesa vegetal para evitar que a doença entrasse em nosso Estado.”
Em 2019, o greening apareceu em pomares no sudeste do Estado, mas foi rapidamente confinado e combatido.
Em novembro do ano passado, o governo estadual definiu que todos os produtores de citros com mais de 30 plantas são obrigados a se cadastrar na agência de defesa sanitária animal e vegetal do Estado. “Nos próximos meses, vamos assinar um acordo com o Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura) para desenvolver a cadeia produtiva da laranja em Mato Grosso do Sul”, disse Verruck.
Ao mesmo tempo, o governo iniciou contato com investidores de São Paulo na área de laranja expondo seus planos. “A Cutrale já havia iniciado, há dois anos, o plantio de 145 hectares de laranja em Sidrolândia, a fim de verificar o comportamento das variedades. Agora, a previsão é de que lancemos, ainda neste mês de abril, nosso plano de ação para a citricultura”, disse.
Desde 2004, quando foi identificado em laranjais na região de Araraquara, o greening tem avançado pelas maiores áreas produtoras do País. De 2005 a 2021, mais de 61 milhões de citros, incluindo laranja, limão e tangerina, que ocupavam 220 mil hectares, foram arrancados devido à alta infestação pela bactéria.
Levantamento anual da incidência de greening realizado pelo Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), formado por citricultores e indústrias do setor, indica que a infestação subiu de 24,42%, em 2002, para 38,06% em 2023 em todo o cinturão citrícola de São Paulo e Minas Gerais (Triângulo/sudoeste mineiro).
O crescimento de 56% corresponde a cerca de 77,2 milhões de árvores doentes, de um total de 203 milhões de laranjeiras em todo o parque, incluindo plantas novas. Foi o sexto ano consecutivo de crescimento na incidência, que aumentou em todas as regiões. “É um momento bastante delicado. Estamos em uma situação em que o manejo correto é determinante para reduzir a incidência”, disse o gerente-geral da Fundecitrus, Juliano Ayres.
Ainda não há cura conhecida para a doença. Resta ao produtor eliminar as plantas doentes e tentar controlar o psilídeo, inseto parecido com uma cigarrinha.
O pesquisador Eduardo Chumbinho de Andrade, chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Citros, explica que, antes de iniciar a busca de áreas em outros Estados, a migração da citricultura paulista se deu dentro do próprio Estado. Já no fim da década de 2000, os pomares saíram das regiões de Araraquara, Limeira e Matão, com maior incidência de greening, para outras com índices menores de infestação, como o sudoeste e o noroeste do Estado.
“No entanto, a doença alcançou essas novas fronteiras citrícolas dentro do Estado, e levantamentos recentes mostram que as regiões paulistas que tinham baixa incidência agora estão bastante infestadas”, explicou.
A partir disso, a migração para Estados vizinhos com menor risco de greening ganhou espaço na estratégia dos produtores.
Funcionários do grupo Junqueira Rodas cuidam de mudas de laranja “Mato Grosso do Sul trouxe mais impacto devido ao volume de investimentos, mas temos ouvido produtores que migraram para algumas regiões de Minas Gerais, como o Cerrado mineiro. Por toda sua tradição, São Paulo não vai deixar de ser o centro da citricultura, mas esse
movimento de migração existe e está se acentuando”, disse.
Ele afirmou que no oeste da Bahia já se observa um grande aumento de produção de lima ácida (limão), porque é uma região sem greening. “Temos observado investimentos novos na Chapada Diamantina e também no Recôncavo, até por causa da exportação para a Europa.”
Segundo o pesquisador, Mato Grosso do Sul oferece a vantagem de as terras ainda serem mais baratas, além da proximidade com São Paulo. “Todas as fábricas de suco estão em São Paulo, e é preciso um volume mínimo de produção para ter uma planta processadora no local. Por isso, a laranja precisa viajar. De certa forma, a redução no custo de produção compensa os gastos com transporte.”
O grupo Junqueira Rodas, produtor de laranja em municípios do interior de São Paulo, também migrou parte da produção para o Mato Grosso do Sul, como conta o secretário executivo de Meio Ambiente do Estado, Rogério Beretta. “O grupo já tem 1,5 mil hectares plantados em Paranaíba, e agora temos a confirmação de um novo plantio na região de Naviraí, mais ao sul do Estado.”
A CEO do Grupo Junqueira Rodas, Sarita Junqueira Rodas, confirmou o investimento. “Estamos migrando nossa citricultura para áreas mais seguras ou até livres do greening, como é o caso de Paranaíba”, disse. Ela conta que o plantio das mudas de laranja já foi iniciado.
MINAS. Áreas ainda livres do greening em Minas Gerais também atraem citricultores paulistas. A Citrícola Lucato, de Limeira, interior de São Paulo, escolheu a região de Campo das Vertentes, entre a Zona da Mata e o sul de Minas, para expandir suas plantações de laranjas, mexericas e tangerinas. “Temos fazendas no interior de São Paulo, mas optamos pela expansão dos pomares em Minas devido à ausência do greening naquela região”, disse o sócio proprietário da empresa, Carlos Lucato.
Recentemente, a companhia adquiriu mais 300 hectares para instalar novas lavouras. “Meu pai comprou a primeira propriedade em Madre de Deus de Minas quando ainda não se falava em greening. Fomos por outras características, mas calhou que o greening chegou em outras regiões, e lá não tem.”
O Brasil é o maior produtor mundial de suco de laranja, com 17 milhões de toneladas anuais, mais do que o dobro da China, segundo colocado. O valor bruto da produção alcança quase US$ 15 bilhões, e o País domina 70% das exportações globais, obtendo receitas anuais acima de US$ 2 bilhões. O suco de laranja é um dos produtos agrícolas mais exportados pelo País.
Na safra 2022/23, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o País exportou 1,09 milhão de toneladas de suco e obteve receita de US$ 2,21 bilhões (R$ 10,9 bilhões). Segundo o Fundecitrus, São Paulo e Minas Gerais têm 167 milhões de pés em produção em 347 municípios; são 400 mil hectares de pomares espalhados por 10 mil propriedades rurais.
“Por toda sua tradição, SP não vai deixar de ser o centro da citricultura, mas esse movimento de migração existe e está se acentuando”
Eduardo Chumbinho de Andrade Embrapa Citrus