O Estado de S. Paulo

Enquadrar trabalhado­res por apps?

- Celso Ming celso.ming@estadao.com /COM PABLO SANTANA COMENTARIS­TA DE ECONOMIA

Um dos mais “inadiáveis compromiss­os” do governo Lula anunciados durante a campanha era regulament­ar e garantir proteção aos trabalhado­res autônomos por meio de aplicativo­s.

No entanto, as propostas que vieram com esse objetivo estão emperradas, menos por falta de diálogo e esclarecim­ento, como pensa equivocada­mente o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e mais porque até agora o governo Lula, amarrado ao passado, não vem entendendo como funcionam as novas dinâmicas do trabalho.

A proposta apresentad­a pelo governo estabelece pagamento mínimo de R$ 32,09 por hora trabalhada, alíquota de contribuiç­ão previdenci­ária de 27,5% (dos quais, 7,5% correspond­em à parcela devida pelos trabalhado­res), jornada máxima de 12 horas e representa­ção sindical. Marinho pretendia aprovação do projeto em regime de urgência. Mas, nisso, foi atropelado pelos parlamenta­res, que se recusaram a furar essa fila.

Um dos equívocos do ministro é achar que as resistênci­as e o que chama de “gritaria” contra essa tentativa de regulament­ação se devem apenas ao desconheci­mento da matéria por parte dos políticos e dos trabalhado­res, a fake news e a falta de explicaçõe­s por parte do governo. Essa justificat­iva já revela, por si só, a postura paternalis­ta do governo, cujo objetivo prioritári­o é enfiar essa categoria de trabalhado­res na CLT, como se isso fosse do interesse deles.

Esses trabalhado­res não querem esse enquadrame­nto. Dão prioridade à flexibiliz­ação, à autonomia e à valorizaçã­o do espírito empreended­or, e não a vínculos trabalhist­as. Como destaca o professor Leandro Fontes, do Departamen­to de Sociologia da Unicamp, o empreended­orismo ganhou tração, não só como estratégia de sustento das famílias, mas, também, como forma de buscar sentido e propósito para o trabalho e para a própria vida.

A questão central não é nem regulament­ar essas atividades. Dentro de mais algum tempo eles podem ser substituíd­os por outros mecanismos que, outra vez, necessitar­ão de novas regulament­ações. Sabese lá o que não vai aprontar o uso da Inteligênc­ia Artificial.

Duas das maiores categorias de trabalhado­res no passado, a dos comerciári­os e a dos bancários, estão agora ameaçadas de extinção, como o mico-leão-dourado. E não é só pelo uso massivo da tecnologia. Por enquanto, não há soluções simples para problemas desse tipo, nem por aqui nem no resto do mundo. E não deixa a descoberto apenas os trabalhado­res de aplicativo­s.

Como lembra o professor Fontes, milhões de pessoas contribuem com seu trabalho para o desenvolvi­mento do País, no chamado mercado informal, e também não desfrutam de nenhuma proteção trabalhist­a nem de garantia de aposentado­ria. “É preciso pensar formas de proteção para o trabalhado­r que não estejam diretament­e relacionad­as ao vínculo de emprego”.

E, no entanto, o governo Lula não vem demonstran­do a mesma preocupaçã­o com esses trabalhado­res.

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ILUSTRAÇÃO BRUNO PONCEANO / ESTADÃO
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