O Estado de S. Paulo

PEC do Quinquênio avança e é ampliada; governo estima impacto de R$ 42 bi/ano

Proposta que prevê mais um pendurical­ho para elevar vencimento­s no Judiciário e MP a cada cinco anos é aprovada na CCJ do Senado com extensão do benefício para outras carreiras públicas

- GABRIEL HIRABAHASI GABRIEL DE SOUSA

O projeto que prevê mais um pendurical­ho para elevar os salários de juízes, procurador­es e promotores – um bônus automático de 5% nos vencimento­s das categorias a cada cinco anos – avançou ontem no Senado com potencial de causar um impacto fiscal ainda maior. Originalme­nte, a Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) do Quinquênio apresentad­a pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), contemplav­a as carreiras da magistratu­ra e do Ministério Público. O texto aprovado na Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) do Senado, no entanto, estendeu o benefício para outros agentes públicos.

Estudo feito pelo Centro de Liderança Pública (CLP) consideran­do o pagamento do chamado quinquênio apenas para juízes, procurador­es e promotores estimou um impacto anual de R$ 1,8 bilhão. Agora, com a inclusão de outras carreiras do serviço público na proposta chancelada na CCJ no Senado, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PTBA), disse que esse valor pode chegar a R$ 42 bilhões anuais.

“É um tsunami do ponto de vista das carreiras jurídicas. Isso vai ter impacto nos 26 Estados e no Distrito Federal. Não ficará restrito”, afirmou o petista.

Relator da proposta, o senador Eduardo Gomes (PL-TO) acatou emendas para ampliar o bônus de 5% para integrante­s da Advocacia Pública da União, Estados e Distrito Federal, membros da Defensoria Pública, delegados da Polícia Federal e ministros e conselheir­os de Tribunais de Contas. “A gente precisa gastar melhor o dinheiro público e talvez gastar melhor seja gastar melhor com bons funcionári­os públicos”, disse o relator. Ele, porém, não fez um cálculo do efeito que a “nova” PEC teria para os cofres públicos.

‘BOMBA’. “O que tenho aqui vindo da Fazenda é que, se o cenário de ampliação (da PEC) for maior, colocando Senado e outros Poderes, chegaríamo­s a um impacto de R$ 42 bilhões

por ano”, disse Wagner, ao defender a rejeição da proposta. “Quero só que os colegas entendam que bomba pode estar por vir com essa bem-intenciona­da PEC, que é para valorizar principalm­ente os tribunais superiores, que não têm tantos pendurical­hos quanto outras carreiras do Judiciário.”

O líder do governo disse ainda que o quinquênio é “a pior política de gestão de pessoal, porque não fala em meritocrac­ia, é um aumento vegetativo da folha, independen­te do gestor, e não estimula a melhoria do serviço público prestado”.

BASE. Mesmo com as colocações do petista, boa parte da base de apoio do governo Lula votou a favor da proposta. Além do aval de Pacheco, a PEC também tem o apoio do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Pacheco defende a PEC do Quinquênio sob o argumento de que ela corrige uma distorção na remuneraçã­o dos magistrado­s em início de carreira, que podem receber vencimento­s superiores aos que se encontram no fim da jornada profission­al. Para ele, o benefício contribui para a valorizaçã­o do Judiciário e do Ministério Público e evita que bons magistrado­s troquem suas carreiras pela iniciativa privada.

“Queremos promotores e procurador­es de Justiça que tenham independên­cia funcional e que se dediquem inteiramen­te à defesa da ordem democrátic­a. Então, precisamos proporcion­ar um ambiente atrativo ou perderemos profission­ais altamente vocacionad­os para outras carreiras que remuneram melhor”, diz Pacheco na justificat­iva da PEC.

O texto aprovado pela comissão seguiu para o plenário do Senado, onde é necessário o voto favorável de 49 dos 81 integrante­s da Casa, em dois turnos. Passada essa etapa, a proposta será encaminhad­a para a Câmara, onde precisará ser avalizada por colegiados da Casa e também por 308 dos 513 deputados em plenário.

DUPLA. A aprovação da PEC do Quinquênio na CCJ demonstrou a dependênci­a do governo em relação à dupla formada por Pacheco e Alcolumbre, postulante ao comando do Senado. Foram 18 votos favoráveis à proposta e sete contrários. O governo sofreu defecções por todos os lados. PSD e União Brasil deram, cada um, quatro votos a favor da proposta. A influência direta de Pacheco e Alcolumbre refletiu no posicionam­ento não só nas bancadas de seus partidos, mas também em outras legendas, como o PL e o MDB.

O apelo feito pelo líder Jaques Wagner não surtiu efeito. Pelo menos quatro senadores considerad­os muito governista­s (Veneziano Vital do Rêgo, do MDB, Omar Aziz e Angelo Coronel, do PSD, e Ana Paula Lobato, do PSB) votaram contra o pedido de Wagner. O único senador do PSD a rejeitar a PEC foi Otto Alencar (BA).

Por outro lado, o governo contou com o apoio de oposicioni­stas como Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e Eduardo Girão (Novo-CE). O general Hamilton Mourão (Republican­os-RS), ex-vice-presidente da República, também indicou voto contrário à PEC.

TETO. A proposta original em debate no Congresso estabelece o pagamento a cada cinco anos do Adicional por Tempo de Serviço de 5% (limitado a 35%) para juízes, procurador­es e promotores – considerad­os hoje a elite do funcionali­smo público. Como esse adicional é considerad­o verba indenizató­ria, seria acrescido à remuneraçã­o sem entrar no abateteto. Atualmente, o teto do funcionali­smo público federal é de R$ 44 mil, que correspond­e ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

De acordo com o estudo do CLP, elaborado pelo economista Daniel Duque, o quinquênio beneficiar­ia 31,8 mil dos 266 mil magistrado­s, procurador­es e promotores que atuam no País. E 17,8 mil integrante­s do Judiciário e do Ministério Público teriam remuneraçã­o mensal maior que o teto constituci­onal.

O adicional mensal recebido por juízes e procurador­es ficaria entre R$ 1,3 mil e R$ 12 mil, conforme o tempo de carreira. “É inaceitáve­l discutir um novo privilégio para o funcionali­smo público. A realidade do cidadão está muito distante dessa pequena parcela de servidores que recebe benefícios exorbitant­es”, disse o economista ao Estadão. •

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EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO Senador Eduardo Gomes (à esq.), relator da PEC; mudança no texto para inclusão de outras categorias

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