O Estado de S. Paulo

Delator do caso Trafigura diz que escalou o pai para receber propina

Ex-funcionári­o da Petrobras depôs à Lava Jato e relato foi reproduzid­o no acordo da multinacio­nal fechado nos EUA

- JULIA AFFONSO

Um dos investigad­os pelo Departamen­to de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos no caso que levou a empresa suíça Trafigura a admitir pagamento de propina na Petrobras também prestou depoimento à Operação Lava Jato. O ex-funcionári­o da estatal Rodrigo Garcia Berkowitz revelou aos investigad­ores brasileiro­s ter escalado o próprio pai para receber propina, em dinheiro vivo, da multinacio­nal.

Em 28 de março, o DoJ anunciou que a empresa suíça, uma das maiores empresas de comércio de commoditie­s do mundo, havia se declarado culpada e concordado em pagar mais de US$ 126 milhões para encerrar uma investigaç­ão sobre um esquema de corrupção envolvendo a Petrobras.

O Estadão identifico­u que o acordo da Trafigura com o departamen­to americano reproduz informaçõe­s semelhante­s àquelas relatadas por Rodrigo Berkowitz à Lava Jato. As declaraçõe­s do executivo foram levadas a um processo aberto no Brasil em 2018. Em outubro de 2020, Berkowitz prestou depoimento à Justiça

Federal em Curitiba, por videoconfe­rência, e repetiu trechos da delação premiada firmada com a Lava Jato. Como mostrou o Estadão, a ação que acusa ex-executivos da Trafigura de pagarem propina de US$ 1,5 milhão a um ex-dirigente da Petrobras segue parada.

No Brasil, a Trafigura ainda é alvo de um procedimen­to administra­tivo da Controlado­ria-Geral da União (CGU), aberto desde dezembro de 2020. O órgão apura “supostas irregulari­dades praticadas pelas empresas” do grupo.

À reportagem, a CGU informou que o processo interno tem relatório final emitido “e encontra-se, no momento, no órgão de assessoria jurídica”. A investigaç­ão está sob sigilo.

SEM PRAZO. “Ainda não há qualquer sanção administra­tiva imposta pela CGU nem um prazo determinad­o para decisão do mérito do processo. A prescrição da pretensão punitiva está prevista, a princípio, para 31 de dezembro de 2025”, registrou a controlado­ria.

Rodrigo Berkowitz trabalhou na área de trading de óleo e combustíve­l, em Houston (Texas), pela Petrobras America, e com comércio externo pela estatal no Brasil. Berkowitz fechou um acordo com o DoJ e também prestou depoimento aos investigad­ores brasileiro­s, nos Estados Unidos, sob supervisão de autoridade­s federais do órgão americano.

A delação premiada com a Lava Jato foi assinada em dezembro de 2019 e previu a devolução de R$ 2,3 milhões.

O executivo relatou à Lava Jato que ficava com 80% de “toda propina” e os outros 20% eram entregues a outro funcionári­o da Petrobras identifica­do por “Sardinha”. Segundo o delator, os valores direcionad­os a ele próprio eram entregues ao colega da estatal, uma vez que Berkowitz não estava no Brasil.

Em família Ex-funcionári­o disse que seu pai chegou a sugerir abrir uma empresa no exterior

Ele narrou que um executivo ligado à Trafigura pediu a troca de intermediá­rio. O delator contou que “Sardinha” era considerad­o uma pessoa “pouco” discreta e que estava se tornando “perigoso continuar entregando dinheiro para ele”.

A partir daí, começou a falar sobre o papel pai no caso. “Eu falei: ‘Olha, se for uma outra pessoa, eu só teria como indicar o meu pai mesmo’, e ele concordou. Falei com meu pai, o meu pai talvez tenha se encontrado com ele uma, duas vezes, e pegou quantias em dinheiro com ele”, disse Berkowitz.

‘MEDO’. “Ele (o executivo da Trafigura) tinha medo de que aquilo vazasse de alguma forma e pediu para que eu trocasse a interlocuç­ão, a quem ele deveria entregar, encontrass­e uma pessoa que ele deveria entregar, e foi quando eu indiquei o meu pai e ele concordou.”

Rodrigo Berkowitz disse à Lava Jato que o pai o questionou se ele continuari­a “recebendo isso de forma corriqueir­a”. “Eu falei: ‘Sim, pai, vou’. Foi quando ele falou: ‘Olha, acho que seria interessan­te a gente abrir uma empresa no exterior’”, relatou o delator.

Ele disse ter sido contra:

“Eu de pronto falei ‘não posso abrir no meu nome e não pode abrir no seu nome também, eu acho que fica inviável’.”

AMIGO DE INFÂNCIA. Segundo Berkowitz, a saída foi abrir a empresa em nome de um amigo de infância dele. O ex-funcionári­o da Petrobras contou ter combinado que o amigo receberia 1% “de tudo que entrasse nessa empresa”. “Acabou que a Pimelir (nome da empresa) não foi utilizada para receber propinas da Trafigura, foi posteriorm­ente usada para receber de outra companhia”, afirmou. Um relato semelhante consta do acordo fechado pela Trafigura com o Departamen­to de Justiça americano e tornado público. O órgão preservou as identidade­s de exexecutiv­os da empresa suíça e da Petrobras, mas deixou a menção a Berkowitz. Três investigad­os foram chamados de “co-conspirado­res”.

“Por volta de 2010, o coconspira­dor pagou subornos a Berkowitz em nome da Trafigura ao entregar dinheiro no Brasil para um parente de Berkowitz. Eles normalment­e se encontrava­m no escritório da Trafigura no Rio de Janeiro para a entrega do dinheiro, que o parente então guardava em nome de Berkowitz até que ele pudesse buscá-lo no Brasil”, registrou o DoJ no acordo.

CÓDIGO DE CONDUTA. Em comunicado publicado em seu site também em 28 de março, a Trafigura afirmou que concluiu uma investigaç­ão, divulgada pelo Departamen­to de Justiça, “sobre a conduta de ex-funcionári­os e/ou agentes no Brasil, que ocorreu há, pelo menos, dez anos”. “Essa conduta foi e é inconsiste­nte com os princípios, termos contratuai­s e Código de Conduta da empresa”, afirmou. •

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Trecho da delação de Rodrigo Berkowitz firmada com a Lava Jato

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