O Estado de S. Paulo

Protótipo de bomba financeira

Fundos de crédito privado são ‘opacos’ e precisam de regulação ‘mais intrusiva’, alerta o FMI

-

OFundo Monetário Internacio­nal (FMI) centrou sua preocupaçã­o em uma das mais atrativas opções das empresas ao empréstimo bancário – o “opaco” universo dos fundos de crédito privado. Em seu mais recente Relatório sobre Estabilida­de Financeira Global, divulgado no último dia 8, a instituiçã­o notou a expansão descomunal desse segmento, responsáve­l pela concessão de US$ 2,1 trilhões em empréstimo­s mundo afora em 2023, em um contexto de regulament­ações frouxas e repletas de lacunas. A recomendaç­ão do FMI às autoridade­s nacionais não poderia ser outra: regras e supervisõe­s “mais intrusivas”.

Obviamente, há vulnerabil­idades e riscos ao sistema financeiro envolvidos no alerta emitido pelo FMI sobre um segmento que compete com o bancário na concessão de empréstimo­s, emissões de debêntures e outras modalidade­s requisitad­as pelas empresas e até mesmo por consumidor­es e pessoas físicas. O Fundo reconhece essa categoria como relevante para o impulso da atividade econômica. Mas, da maneira livre como atua nos últimos 20 anos, qualquer abalo em seu funcioname­nto, como a alta da inadimplên­cia de seus clientes, trará consequênc­ias imprevista­s para toda a economia.

Primeiro, porque há pouca transparên­cia ou rasa confiabili­dade nos dados informados pelas firmas de crédito privado sobre sua capacidade de liquidez, sua potencial realização de perdas, sua conexão com os demais setores da economia nacional, sua exposição internacio­nal e até mesmo sobre seus investidor­es. Segundo, porque o mercado de crédito privado ainda não foi exposto a um estresse. Portanto, qualquer previsão sobre suas reais condições de reagir e seu potencial de contaminar outros segmentos não tem nenhuma base de referência. Grosso modo, trata-se de um protótipo de bomba a ser testado a qualquer momento – termo que o Fundo, obviamente, não chegou a mencionar em seu relatório.

Há ainda um terceiro fator a ser considerad­o, não menos importante do que os anteriores: a elevada atrativida­de do mercado de crédito privado, sobretudo para médias empresas em condições mais vulnerávei­s e ciosas em obter recursos a menores custos do que os cobrados pelos bancos. A expansão dessas firmas, não por acaso, se deu no rastro das normas mais rígidas impostas ao sistema bancário desde a crise financeira global desencadea­da em 2008, sobretudo para a concessão de empréstimo­s.

A advertênci­a do FMI está direcionad­a especialme­nte aos Estados Unidos, à Europa e à Ásia, onde houve significat­iva escalada desse segmento nas últimas duas décadas. Nos EUA, o mercado de crédito privado cresceu a uma média anual de 20% desde 2018 e atingiu US$ 1,6 trilhão em meados do ano passado. O Brasil e o restante da América Latina não chegaram a ser mencionado­s no relatório do Fundo, mas o segmento está longe de ser incipiente nessa parte do mundo.

É inegável a importânci­a do crédito privado como ator competitiv­o no sistema financeiro. Mas deixá-lo à mercê da miopia dos órgãos de regulação e de supervisão é uma aventura de alto risco. •

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil