O Estado de S. Paulo

Governo inclui ‘trava’ a gasto extra permitido pelo arcabouço em 2025

Projeto determina que governo pode ter gasto extra de R$ 15,7 bi no ano que vem, desde que arrecadaçã­o suba conforme o previsto

- DANIEL WETERMAN

O governo incluiu um gasto extra autorizado pelo arcabouço fiscal na previsão do Orçamento de 2025, mas com uma trava para o uso do dinheiro. Dispositiv­o incluído no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (PLDO) prevê que o aumento de até R$ 15,7 bilhões em despesas programado para este ano só pode se repetir no ano que vem se a previsão de cresciment­o da arrecadaçã­o se confirmar.

O arcabouço fiscal autoriza o governo a abrir um crédito de R$ 15,7 bilhões em 2024 para gastos extras caso a projeção de receita para o ano seja mais elevada do que o inicialmen­te estimado. Atualmente, essa despesa só pode ser feita após o fim de maio e precisa ser aprovada pelo Congresso. Um projeto aprovado pela Câmara na semana passada, porém, antecipa essa possibilid­ade e autoriza o governo Lula a gastar esse dinheiro imediatame­nte por decreto, sem aprovação do Legislativ­o.

O gasto extra em 2024 pode virar permanente e entrar no Orçamento de 2025. Mas, se a arrecadaçã­o for menor do que o esperado atualmente, o gasto precisa ser cortado no ano que vem, de acordo com a lei atual do arcabouço.

MARGEM. O projeto aprovado pela Câmara abre margem para que essa “punição” seja vetada ou simplesmen­te ignorada e gerou preocupaçã­o no mercado financeiro. A antecipaçã­o foi aprovada por meio um “jabuti” – medida estranha ao projeto original – presente no texto que tratava da volta do seguro obrigatóri­o veicular, anteriorme­nte conhecido como DPVAT.

O projeto da LDO mantém a possibilid­ade do gasto extra em 2025, facilitand­o o uso do recurso ao colocá-lo no Orçamento, mas prevê uma trava a mais para o uso do dinheiro no ano que vem.

O governo não incluiu o valor no cálculo do limite de despesas do Orçamento de 2025. Além disso, o montante só poderá ser usado se o cresciment­o da arrecadaçã­o de 2024 for igual à estimativa que justificou o gasto extra neste ano – o que só poderá ser comprovado no fim de janeiro de 2025. Caso o governo não consiga aumento de arrecadaçã­o, o dinheiro não poderá ser utilizado.

O potencial de efeitos do dispositiv­o, no entanto, é limitado. A medida permite que o gasto seja incluído no Orçamento, ainda que fique na dependênci­a de arrecadaçã­o, e facilita o uso do dinheiro sem necessidad­e de aprovar um novo projeto no Orçamento para colocar esse gasto nas contas em 2025, favorecend­o o governo caso ele queira elevar gastos no próximo ano.

Além disso, a trava é opcional e terá de ser confirmada pelo Executivo no envio do projeto de Orçamento para 2025, que deve ser encaminhad­o para o Congresso no fim de agosto, e na aprovação da peça orçamentár­ia pelo Legislativ­o, com previsão para dezembro. O texto do projeto da LDO esclarece que os recursos “poderão” ser condiciona­dos à comprovaçã­o de arrecadaçã­o, ou seja, o dispositiv­o não é obrigatóri­o, mas sinaliza um caminho traçado pela equipe econômica.

Ao enviar o projeto da LDO, o governo justificou a proposta por escrito. Texto assinado pela ministra do Planejamen­to e Orçamento, Simone Tebet, diz que a medida foi elaborada para dar transparên­cia e previsibil­idade ao Orçamento em 2025. “Desse modo, com vistas a dar transparên­cia e previsibil­idade ao processo orçamentár­io, o projeto prevê que as despesas decorrente­s da ampliação do limite devem ser tratadas como condiciona­das, vinculando-se à confirmaçã­o da base de cálculo, conforme a apuração da arrecadaçã­o das receitas em 2024”, diz.

Em resposta à reportagem, o Ministério do Planejamen­to e Orçamento afirmou que o dispositiv­o está em linha com o arcabouço fiscal. “O art. 14 da LC 200/2023 (lei do arcabouço) dispõe que o acréscimo do limite na base de 2025 depende de verificaçã­o da receita realizada em 2024, o que não estará encerrado quando do envio do PLOA (Projeto de Lei Orçamentár­ia Anual). Dessa forma o mecanismo prevê a possibilid­ade de estimar esse espaço e utilizá-lo no PLOA, condiciona­do à sua real apuração.”

‘SEM ESFORÇO’. “O problema

foi antecipar os R$ 15,7 bilhões em 2024. A antecipaçã­o mostra que não existe nenhum esforço para evitar o aumento de gasto. Se o objetivo é esse, qualquer buraco que o governo consiga encontrar na legislação para gastar, ele vai tentar, mesmo condiciona­ndo à receita”, avalia o economista-chefe da Genial Investimen­tos, José Márcio Camargo.

O projeto não mexe nos R$ 15,7 bilhões que poderão ser gastos em 2024, pois a LDO trata somente das regras de 2025. O que pode acontecer é o dispositiv­o ser alterado no Congresso. Se o jabuti aprovado na Câmara for aprovado no Senado e sancionado pelo presidente Lula, alterando a lei do arcabouço, os parlamenta­res teriam uma justificat­iva para alterar o projeto da LDO de 2025 e manter o gasto extra sem amarras no próximo ano.

Conforme o Estadão mostrou, os “furos” no arcabouço fiscal começaram mais rapidament­e do que os dribles feitos no antigo teto de gastos. Desde que a nova âncora fiscal foi aprovada, em agosto do ano passado, R$ 28 bilhões em despesas foram retiradas dos limites de gastos vigentes em 2023 e 2024.

Ao falar sobre o jabuti aprovado pela Câmara, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que a equipe econômica acompanhou a negociação da proposta e agiu para preservar a espinha dorsal do arcabouço. Ele refutou as avaliações de que a flexibiliz­ação fragiliza a regra fiscal. “Eu não concordo com essa avaliação de que há várias alterações sendo feitas no marco fiscal, isso não procede. O marco fiscal está intacto”, disse. •

“A antecipaçã­o do gasto para 2024 mostra que não há esforço (do governo) para evitar aumento de gasto. Qualquer buraco (na lei) que o governo encontrar para gastar, ele vai tentar”

José Márcio Camargo Genial Investimen­tos

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