Cult e raro, Guilherme Dicke ganha nova chance
Respeitado, mas pouco conhecido, escritor mato-grossense, que morreu em 2008, tem seu livro ‘Madona dos Páramos’ reeditado pela Record
Hilda Hilst, em entrevista a Caio Fernando Abreu, afirmou que Tolstoi havia chegado, com A Morte de Ivan Ilitch, ao centro que ela buscava em seus livros, “uma certa tolerância com tudo o que te rodeia, com a tua condição de mortal”. Questionada se algum escritor brasileiro conseguiu se aproximar desse centro, ela respondeu: “Ricardo Guilherme Dicke, um homem impressionantemente prolixo, com uma linguagem que tem uma oleosidade fascinante. Numa novela chamada Madona dos Páramos, ele conseguiu o centro dele: esse centro prolixo, complexo, onde existe a volúpia da palavra”.
Não foi a única vez que Hilda Hilst (1930-2004) falou publicamente sobre o escritor mato-grossense (1936-2008). E, em 2016, ao ler uma dessas entrevistas, o pesquisador Rodrigo Simon de Moraes se deparou com o nome que até então desconhecia. “Caramba, quem é esse cara de quem eu nunca ouvi falar? Eu julgava que conhecia bem literatura brasileira”, pensou ele, à época doutorando em Teoria e História Literária na Unicamp. A pesquisa de Simon então se tornou o resgate da obra de Dicke.
“Desde que comecei o doutorado, meu primeiro objetivo era que o Dicke voltasse a ser publicado por uma grande editora”, conta ele, que, junto com a herdeira do autor, levou a proposta para a Record. E a editora relança agora o romance elogiado por Hilda, Madona dos Páramos, e prepara uma coletânea de contos inéditos para 2025.
CONTRATO. A última publicação dos livros de Ricardo Guilherme Dicke havia sido em 2012, pela cuiabana Carlini & Caniato Editorial. A relação da casa editorial com o autor começou com a publicação de Toada do Esquecido & Sinfonia Equestre, em 2006. O lançamento, feito em Cuiabá, foi o último com a presença de Dicke, morto em 2008.
A Carlini & Caniato não conseguiu renovar o contrato para edição do autor. Apesar disso, o sócio Ramon Carlini afirma estar contente com a reedição da obra por uma editora com poder de distribuição maior, caso da Record. “Dicke deve estar muito feliz hoje, acho que é um grande ganho. Ele merece isso”, acrescenta o editor.
Ricardo Guilherme Dicke nasceu em Chapada dos Guimarães (MT), em 1936. Por dez anos, viveu no Rio, onde publicou Deus de Caim, livro que recebeu menção honrosa do Prêmio Walmap de Literatura de 1968, mas decidiu retornar para Mato Grosso em 1975.
“Ele era uma figura muito sensível, tinha algumas fragilidades psicológicas. Não aguentou morar no Rio e precisou voltar para Cuiabá”, conta o pesquisador Simon de Moraes. De volta ao Estado, ele continuou publicando graças aos contatos que havia feito no Rio. •
“Ele era uma figura muito sensível, tinha algumas fragilidades psicológicas. Então, não aguentou ficar morando no Rio e precisou voltar para Cuiabá” Rodrigo Simon de Moraes
Pesquisador