O Estado de S. Paulo

‘Sem Coração’ é poesia sobre o amadurecer

Cinema Brasileiro Filme que estreou no Festival de Veneza e é ambientado em Alagoas volta aos anos 1990 para falar de descoberta­s

- MATHEUS MANS

No verão de 1996, no litoral de Alagoas, a jovem Tamara (Maya de Vicq) aproveita seus últimos dias de pé na areia e amizade com aqueles que conhece desde pequena. Afinal, logo mais ela vai deixar essa pequena vila pesqueira para fazer faculdade em Brasília. Só que, antes da partida, um novo sentimento chega: a atração por Sem Coração (Eduarda Samara), apelido de uma menina da região que tem uma cicatriz no peito.

Essa é a história de Sem Coração, filme brasileiro que estreou no Festival de Veneza em 2023 e está em cartaz nos cinemas do País.

Dirigido pelos amigos Nara Normande e Tião, o longa trata de tema caro à cineasta: o retorno às memórias e à vida na Guaxuma, essa pequena cidade que povoa a imaginação de Nara.

A cineasta conta ao Estadão que não pensava em rever essa história após fazer um curta de mesmo nome, em 2014 – que, aliás, fala sobre alguém que está chegando a Guaxuma, enquanto o longa trata principalm­ente de quem está partindo.

“A experiênci­a de fazer o curta foi bem forte”, recorda Nara. “Havia um universo muito grande ao redor daquilo nas minhas memórias, e aí começamos a escrever o longa somente em 2016 .”

Tirar o personagem Léo, que é alguém de fora, para se concentrar na jovem Tamara, de dentro da comunidade, é o grande acerto da produção. Em vez de uma sensação de estranhame­nto com o que acontece em Guaxuma, temos logo a impressão de que tudo ali é familiar, verdadeiro. São as lembranças de Nara colocadas dentro da trama.

“Tamara sai desse lugar como eu também saí, aos 13 anos”, explica Nara. Maya de Vicq, aliás, tem uma relação próxima com a cineasta: são primas – e a atriz também viveu essa experiênci­a.

“A Nara sempre falava com a minha mãe para eu fazer Sem Coração. Mas, como eu era muito nova, acabou não dando certo naquele momento”, afirma a jovem atriz. “O filme todo foi gravado de uma forma muito natural. Estava sendo eu, falando com as câmeras, atuando, mas muita coisa realmente aconteceu quando eu era mais nova. Morei sete anos na Guaxuma, passei minha infância lá e parte de mim está na personagem.”

MEMÓRIAS. O fato é que, além de mexer com as memórias de Nara e Maya, o filme trata de algo complicado: o amadurecim­ento. Não apenas Tamara tem de amadurecer rapidament­e nesse seu último verão na Guaxuma, mas todos ao seu redor também estão enfrentand­o novas emoções difíceis de serem compreendi­das.

“Não é um filme só sobre o grupo, mas também sobre a história das duas. Tanto no roteiro quanto na montagem, qualquer alteração que a gente fizesse mudava tudo. Estão todos ligados, mesmo com suas histórias individuai­s”, explica Tião. “Por isso, foi bem difícil achar o equilíbrio. Até para a gente descobrir sobre quem mais a gente queria falar”, diz Nara. “Foi importante também fazer com que o longa registrass­e a atmosfera local e mostrasse muito desse lugar complexo”, ressalta.

E fica a dúvida: após dois curtas e um longa, será que Nara ainda tem mais histórias da Guaxuma para contar? “Guaxuma sempre vai me inspirar, inclusive o meu próximo longa, que se passa no futuro”, adianta a cineasta. “Minhas três primeiras histórias foram sobre minha infância, as memórias. Agora estou indo para a idade adulta.” •

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FESTIVAL DE VENEZA Tamara (Maya de Vicq) e Sem Coração (Eduarda Samara): paixão é rito de passagem de garotas

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