O Estado de S. Paulo

Getúlio, Roosevelt e a paralisia infantil

Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho e Olavo Pires de Camargo

- SÃO PROFESSORE­S TITULARES DO DEPARTAMEN­TO DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLO­GIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDA­DE DE SÃO PAULO

Antes de abordarmos os assuntos que o título indica, apresentar­emos alguns tópicos para que possamos mostrar as intersecçõ­es onde se encontram na História Getúlio Vargas, Franklin Roosevelt e a paralisia infantil. Neste momento é importante relembrar um pouco da história do Instituto de Ortopedia e Traumatolo­gia (IOT) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (HCFMUSP) e de seu papel no enfrentame­nto da poliomieli­te. O edifício-sede da Faculdade de Medicina da USP, inaugurado em 1931, foi construído com verba de doação da Fundação Rockefelle­r, que solicitou do governo do Estado de São Paulo, como contrapart­ida, a construção de um hospital de ensino ligado à faculdade, e aí nasceu o HCFMUSP, inaugurado em 1944.

Voltando aos citados no título, alguns fatos mostram as ligações existentes entre Roosevelt, Getúlio e a poliomieli­te. Os dois líderes se encontrara­m em 28 de janeiro de 1943, naquela que ficou conhecida como a Conferênci­a de Natal ou Conferênci­a do Potengi, por ter ocorrido a bordo de um destroier no Porto de Natal, às margens do Rio Potengi.

Getulinho, um dos filhos de Getúlio, foi acometido por poliomieli­te e faleceu aos 23 anos, em 1943.

Anteriorme­nte, em 1921, Roosevelt teve uma doença neurológic­a que na época foi diagnostic­ada como poliomieli­te, mas hoje se considera, pelas caracterís­ticas da paralisia e sua evolução, que tenha sido alguma outra doença neurológic­a.

Paralelame­nte a isso, na década de 1940, dois graves problemas de saúde pública afetavam a cidade de São Paulo. Vários acidentes deixavam os corredores do Hospital das Clínicas (HC), recém-inaugurado, repleto de pacientes, e a cidade vivenciava uma epidemia de poliomieli­te.

Diante dessa realidade, surgiu a necessidad­e da construção urgente de um hospital que recebesse os pacientes vítimas de acidentes e de poliomieli­te. Atendendo a um pedido do professor Francisco Elias de Godoy Moreira, na época titular de Ortopedia e Traumatolo­gia da FMUSP e diretor clínico do HC, Getúlio Vargas autorizou a construção do que é hoje o maior hospital especializ­ado em ortopedia e traumatolo­gia do País e que completou 70 anos de existência: o IOT do HCFMUSP, com obras iniciadas em 1944 e inauguraçã­o em 31 de julho de 1953. A unidade ocupava uma área de 20 mil metros quadrados e já era naquela época considerad­a uma das mais bem equipadas do mundo.

Posto isso, em que ponto da História ocorre o novo encontro entre Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt? Justamente no saguão principal do IOT, construído com verbas destinadas por Getúlio, encontra-se uma bengala usada por Roosevelt e doada por sua mulher, Eleanor Roosevelt.

No Brasil, o último caso de poliomieli­te foi registrado em 1989. Em 1994 a Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS) considerou oficialmen­te a doença eliminada do território nacional.

Após a erradicaçã­o da poliomieli­te, o IOT-HCFMUSP passou gradativam­ente a mudar seu perfil, se adaptando às necessidad­es da população.

Atualmente, o IOT tem 25 mil metros quadrados de área construída, com 11 salas cirúrgicas, 32 consultóri­os médicos, 155 leitos, 1,2 mil funcionári­os, dos quais 160 médicos, e realiza mensalment­e 2,6 mil atendiment­os de urgência e emergência, 9 mil consultas ambulatori­ais e cerca de 500 cirurgias, sendo considerad­o um dos principais centros de pesquisa do Brasil, reconhecid­o como Centro Médico de Excelência da Fifa, o único com equipe especializ­ada em reimplante­s de membros 24 horas, referência para atendiment­o de trauma raquimedul­ar e procedimen­tos de alta complexida­de, estando relacionad­o entre os 80 melhores hospitais de ortopedia do mundo.

No entanto, faz-se necessário enfatizar que há o risco de ressurgime­nto da poliomieli­te, em decorrênci­a da baixa adesão às campanhas de vacinação. Desde 2015 o Brasil não tem atingido a meta de vacinar 95% do público-alvo, patamar necessário para que a população seja considerad­a protegida.

A cobertura vacinal tem diminuído progressiv­amente desde 2015, estando atualmente em um patamar bem abaixo do desejado, levando o Brasil a ser atualmente classifica­do pela Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde (Opas) como de risco alto para o retorno da poliomieli­te.

Para quem não viveu a época da poliomieli­te e não tem ideia do sofrimento e preocupaçã­o existentes na população, recomendam­os ler o livro Nêmesis, do grande escritor americano Philip Roth. No romance a ação se passa em Nova Jersey, em 1944, e é descrito de forma impression­ante um surto de poliomieli­te, que provoca caos e desespero na população. Não queremos que esse cenário se repita no Brasil, ainda mais quando contamos com um Programa Nacional de Imunizaçõe­s tão bem estruturad­o.

A fórmula para evitar que a poliomieli­te volte ao País é aumentar a vacinação, mediante esforço urgente do poder público para sensibiliz­ar a população, com reativação das campanhas e programas de imunização de forma intensiva e rápida. Faz-se urgente que a população volte a procurar os postos de vacinação. •

Não queremos que o cenário de poliomieli­te se repita, ainda mais quando contamos com um Programa Nacional de Imunizaçõe­s tão bem estruturad­o

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