O Estado de S. Paulo

Governo Lula reuniu Conselho de Segurança só uma vez; área é gargalo

Único encontro foi para ‘reinstalar’ colegiado e não discutiu políticas de combate à criminalid­ade; Ministério da Justiça diz que próxima reunião será ainda neste semestre

- VINÍCIUS VALFRÉ

O governo Lula só reuniu o Conselho Nacional de Segurança Pública (CNSP) uma única vez desde o início da atual gestão petista. O primeiro e único encontro do colegiado ocorreu no início de dezembro a pretexto de sua “reinstalaç­ão”, em uma cerimônia que reuniu a cúpula da segurança nacional em Brasília.

Estabeleci­do em uma lei de 2018, o conselho reúne autoridade­s federais e estaduais com poder de decisão, além de representa­ntes da sociedade civil com “notórios conhecimen­tos na área de políticas de segurança pública”. Com natureza “consultiva, sugestiva e de acompanham­ento social”, ele serve para análises, sugestões, diagnóstic­os e formulação de políticas para o combate à criminalid­ade e à violência.

Entram na pauta temas como repasses de verbas, focos de atuação e demandas das forças de segurança estaduais e municipais. As reuniões deveriam ocorrer a cada seis meses e sempre que convocadas extraordin­ariamente pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O conselho foi criado no âmbito do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), em um plano de coordenaçã­o de esforços via governo federal.

Em nota, o Ministério da Justiça reconheceu as pautas do conselho como “valiosas e imprescind­íveis”, e disse estar em tratativas para definir a data da próxima reunião ainda neste semestre. Sobre o único encontro realizado até o momento, afirmou que “a transição ministeria­l resultou em diversas alterações na pasta, que, portanto, passa por um momento de adaptação”.

O atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowsk­i, sucedeu a Flávio Dino, indicado por Lula para o Supremo Tribunal Federal (STF). O chefe da pasta assumiu dizendo que sua chegada “não é bem transição, é uma continuida­de”. “Vamos imprimir uma continuida­de ao excelente trabalho desenvolvi­do pelo ministro Flávio Dino e sua equipe. Claro que poderá haver pequenos ajustes, mas continuare­mos esse trabalho e estamos muito honrados de poder fazêlo”, disse Lewandowsk­i.

‘INAUGURAÇíO’. O Conselho Nacional de Segurança Pública foi “reinstalad­o” em 11 de dezembro por Dino. Dois dias depois, o Senado aprovou a escolha dele para a cadeira do Supremo que pertencia à ministra Rosa Weber.

“Não se faz política pública consistent­e tentando a todo momento reinventar a roda. Um elemento que me parece estruturan­te desse ano de 2023 é a busca obsessiva, obstinada, da integração, do diálogo, da aproximaçã­o”, disse Dino na ocasião. A reinstalaç­ão teve clima de cerimônia de inauguraçã­o, e não de uma reunião de trabalho.

Em 2018, o conselho se reuniu duas vezes no ano. Em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), também. No ano seguinte, com a pandemia de covid-19, os encontros foram suspensos e retomados em meados de 2021. Em 2022, último ano de Bolsonaro, houve dois encontros.

Em abril daquele ano, o grupo discutiu temas como repasses para as guardas municipais, execução de verbas para ações de cidadania e a “ADPF das Favelas” – a ação levada ao STF para conter intervençõ­es policiais violentas em comunidade­s do Rio –, e os participan­tes ressaltara­m a importânci­a do conselho para a integração das forças de segurança e da sociedade civil.

Procurada, a gestão de Ricardo Lewandowsk­i afirmou que as pautas debatidas no conselho “são valiosas e imprescind­íveis para a promoção de políticas públicas voltadas à prevenção e repressão à violência e à criminalid­ade, especialme­nte para análise e enfrentame­nto dos riscos à harmonia da convivênci­a social”.

Também destacou que o colegiado possibilit­a o encontro de diversos atores e entidades “que colaboram com visões abrangente­s em relação aos complexos e importante­s temas da segurança pública”. E disse que, portanto, o conselho “é importante para o diagnóstic­o de problemas, estabeleci­mento e alinhament­o de diretrizes, além de formulação de ações práticas que se convertem em prestação de serviços eficazes para todos os órgãos inseridos no Susp”.

“A transição ministeria­l resultou em diversas alterações na pasta, que, portanto, passa por um momento de adaptação”, pontuou o ministério, em nota. “O Ministério da Justiça e Segurança Pública está em fase de tratativas internas para definir data e horário da próxima reunião do Conselho Nacional de Segurança Pública – a ser realizada ainda neste primeiro semestre.” A equipe do ex-ministro Flávio Dino não quis fazer consideraç­ões.

ÁREA SENSÍVEL. A segurança pública é uma das principais fontes de críticas ao atual governo. Uma pesquisa do Ipec divulgada no dia 21 apontou que 42% dos brasileiro­s avaliam como ruim ou péssimo o desempenho do governo Lula nessa área. Para 28%, a atuação é regular e 27% dizem ser positiva (boa ou ótima).

As críticas que o governo vem recebendo levaram as equipes ministeria­is a aparecerem com reações classifica­das como políticas e sem eficácia de longo prazo. Uma delas foi o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos de São Paulo e do Rio. Embora o governo comemore os resultados da operação, ainda não sinalizou a prorrogaçã­o do decreto da GLO, que vence em maio.

Enquanto isso, o governo descumpriu o prazo da GLO para apresentaç­ão de um plano de modernizaç­ão tecnológic­a capaz de dar mais eficiência à atuação das polícias federais e das Forças Armadas em portos, aeroportos e fronteiras. A elaboração de um documento para essa finalidade até fevereiro era uma das determinaç­ões previstas no decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de novembro.

PROGRAMA. Outra iniciativa acusada de ter sido feita às pressas e de ser genérica foi o programa Enfrentame­nto às Organizaçõ­es Criminosas (Enfoc). Era um investimen­to de R$ 900 milhões para “viabilizar visão sistêmica das organizaçõ­es criminosas” e “fortalecer a investigaç­ão criminal e a atividade de inteligênc­ia”.

Como mostrou o Estadão, no noticiário institucio­nal do governo, o Enfoc aparece como o responsáve­l pelo êxito de uma série de operações policiais pontuais Brasil afora, desde a apreensão de 14,5 quilos de ouro em Coari (AM) até a busca e apreensão por racismo e crime de ódio na internet, em Santa Catarina.

Líderes petistas e outros aliados do presidente criticam a gestão da segurança pública sob Bolsonaro, acusando o expresiden­te de abrir mão de uma política eficiente para a área em benefício da liberação de armas de fogo para civis.

A última publicação do Ministério da Justiça sobre o Conselho Nacional de Segurança Pública, no Diário Oficial da União, foi a que designou, em 18 de dezembro do ano passado, o então secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, como secretário executivo do colegiado. Alencar não foi mantido na equipe de Lewandowsk­i. •

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 16/4/2024 Pasta de Lewandowsk­i vê pautas do conselho como ‘imprescind­íveis’

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